Muito se discute nas redes sociais sobre o neoliberalismo. De um lado temos militantes de esquerda chamando todos aqueles que defendem o livre-mercado de neoliberais. De outro temos os próprios liberais negando esse rótulo e afirmando que neoliberalismo não existe. O conjunto da obra demonstra que neoliberalismo é um conceito bastante confuso usado puramente para ofender o oponente em um debate
Por mais que seja um termo extremamente banalizado e utilizado de forma pejorativa, o neoliberalismo de fato existe. Tivemos e temos pensadores que se denominam neoliberais. Porém esse termo em nada é correlato ao verdadeiro e genuíno Liberalismo clássico ou com a Escola Austríaca.
Como explica o economista Jorg Guido Hülsmann em artigo do Instituto Mises:
“As raízes da ideologia neoliberal remetem às décadas de 1880 e 1890, quando os economistas alemães da Escola historicista alemã de economia e seus discípulos americanos convenceram-se de que a concentração industrial tinha efeitos prejudiciais para a economia e que, por isso, algum tipo de moderação por meio da intervenção governamental fazia-se necessária. Uma das consequências visíveis dessa mentalidade foi o Sherman Act (Lei Sherman antitruste), que desde então substituiu o poder dos consumidores pelo poder dos burocratas.
Na Alemanha, a filosofia da terceira via generalizou-se durante a ‘Sozialpolitik’ estimulada pelo Kaiser Wilhelm II. A França copiou o modelo, invocando a necessidade de uma ‘tierce solution’, assim como também fizeram os Estados Unidos sob o New Deal.
Entretanto, as primeiras declarações programáticas do neoliberalismo foram publicadas somente na década de 1930 — novamente, e previsivelmente, na Alemanha e nos Estados Unidos. O manifesto mais influente veio do economista de Chicago Henry Simons, que, em 1934, fez circular uma monografia intitulada A Positive Program for Laissez Faire (Um Programa Positivo para o Laissez-Faire) — no qual a palavra “positivo” indicava que esse programa justificava amplas intervenções governamentais, ao passo que o laissez-faire clássico era um programa “negativo”, no sentido de que ele não fornecia tal justificativa.
Simons exortava o governo a regular a oferta monetária e o sistema bancário, a impedir a formação de monopólios, e a fornecer uma renda mínima para os destituídos — um desvio e tanto do liberalismo laissez-faire.
Essas ideias expressavam perfeitamente os sentimentos de uma geração de economistas que haviam sido criados em um ambiente intelectual inteiramente estatista, mas que no entanto conheciam as lições ensinadas pelos liberais clássicos. […] Seu neoliberalismo animou o trabalho daquelas instituições que surgiram no pós-guerra com o intuito de estancar o crescimento do estatismo — mais especificamente a Mont Pèlerin Society e o Institute for Economic Affairs de Londres.”
Como podemos perceber, o neoliberalismo surge como uma alternativa tanto ao socialismo quanto ao liberalismo. Para os neoliberais, o livre-mercado por si só não é capaz de gerar desenvolvimento econômico. Neoliberais acreditam que o liberalismo clássico fracassou e que o livre-mercado necessitava do auxílio do Estado para funcionar, bem como, que o Estado precisava realizar intervenções para regular o sistema bancário, impedir o surgimento de monopólios e garantir subsistência para os menos favorecidos, eis o propósito do programa positivo para o Laissez-Faire de Henry Simons.

Henry Simons (1899 – 1946)
Outros dois grandes pensadores neoliberais foram o alemão Alexander Rüstow e um dos pais da Escola Austríaca Friedrich Von Wieser, considerado o menos austríaco e mais controverso dos austríacos.
Em sua obra Teoria da economia social, Wieser defende a transição do liberalismo clássico (que ele classifica como o caos) para um novo liberalismo, afirmando que o liberalismo precisava ser substituído por um novo sistema de ordem, dando a entender que o liberalismo clássico fracassou e precisava do auxílio do Estado.
Alexander Rüstow foi um dos primeiros a se denominar neoliberal e um dos pais do chamado ordoliberalismo alemão, ideologia adotada na Alemanha pós-guerra e que foi considerada um meio termo entre o capitalismo liberal e o socialismo. O ordoliberalismo é considerado uma variante do neoliberalismo e pregava justamente que o Estado deveria criar um ambiente saudável e estimular a livre-concorrência, promovendo a chamada concorrência justa.
Um dos maiores críticos tanto do ordoliberalismo quanto do neoliberalismo foi o finado economista Ludwig Von Mises, um dos maiores nomes da Escola Austríaca. Em sua obra “Liberalismo segundo a tradição clássica”, Mises classifica os neoliberais como pseudo-liberais, afirmando que eles não defendem a propriedade privada e sim o socialismo/intervencionismo. Como podem ver no trecho a seguir:
“Os que são familiarizados com as obras sobre o tema “liberalismo”, que apareceram nos últimos anos, e com o uso linguístico corrente, objetarão, talvez, que o que tem sido chamado de “liberalismo”, no presente, volume, não coincide com o que é entendido por este termo na literatura política contemporânea. Estou longe de discutir isso. Pelo contrário! Fiz menção expressa de que o que se entende por “liberalismo” hoje, na Alemanha em especial, se coloca em oposição direta ao que a história das ideias deve designar como “liberalismo”, pois constitui o conteúdo essencial do programa liberal dos séculos XVIII e XIX. Quase todos aqueles que se denominam “liberais”, hoje, recusam-se a defender a propriedade privada dos meios de produção e defendem medidas parcialmente socialistas e parcialmente intervencionistas. Procuram justificar isto com o argumento de que a essência do liberalismo não consiste no apego à instituição da propriedade privada, mas em outras coisas, e que essas outras coisas exigem maior desenvolvimento do liberalismo, de modo que esta doutrina, hoje, não mais deve defender a propriedade privada dos meios de produção, mas, sim, o socialismo e o intervencionismo, O que possam ser essas “outras coisas” esses pseudo-liberais ainda não nos esclareceram. Ouvimos falar muito de humanidade, magnanimidade, liberdade real etc.. Sem dúvida, estes são sentimentos muito bons e nobres e todo mundo estará pronto a adotá- los. Toda ideologia (exceto algumas escolas de pensamento cínico) acredita estar defendendo a humanidade, a magnanimidade e a liberdade real etc. O que distingue uma doutrina social da outra não é o objetivo final da felicidade humana universal, à qual todos visam, mas o modo pelo qual procuram atingi-lo. O elemento característico do liberalismo é que ele propõe alcançá-la por meio da propriedade privada dos meios de produção. Mas as questões terminológicas têm, antes de tudo, importância secundária. O que conta não é o nome, mas a coisa que ele significa. (Liberalismo, Mises, capítulo 5, apêndice, parte 2)”

Friedrich Von Wieser Alexander Rüstow
Outro também duramente criticado por Mises foi Milton Friedman, que teve sua fase intervencionista e neoliberal na década de 50, onde chegou a escrever o artigo “O neoliberalismo e as suas perspectivas”.
Na primeira conferência da sociedade Mont Pèlerin, em 1947, estavam reunidos diversos pensadores liberais como Mises, Hayek, Hazlitt, Milton Friedman dentre outros. Durante uma discussão sobre o papel dos sindicatos e sobre como o governo poderia realizar uma redistribuição de renda, Mises se levanta enfurecido da mesa chamando aqueles que ali estavam de socialistas. Como o próprio Friedman diz:
Primeiro encontro da sociedade Mont Pèlerin
Neoliberalismo nos dias de hoje
Atualmente é extremamente raro ver alguém se denominar neoliberal, mormente pela conotação pejorativa que o termo atingiu. Porém, alguns corajosos ainda utilizam esse termo, caso do Niskanen Center e do Adam Smith Institute. Militantes de esquerda ainda insistem em utilizar o termo neoliberal para atacar qualquer um que defenda o livre-mercado, acusação absolutamente inválida e desprovida de qualquer referencial teórico, visto que neoliberais jamais foram defensores do livre-mercado e da não-intervenção do Estado na economia. Liberais clássicos ou libertários (no sentido americano) da linha austríaca (Mises, Hayek, Rothbard, Hoppe e afins) jamais poderiam ser considerados neoliberais, visto que defendem o livre-mercado e se opõem à intervenção do Estado na economia.
O que percebemos é que há um erro de cada lado, da esquerda ao usar o termo de forma pejorativa e dos liberais por afirmarem não existir neoliberalismo. Ele existe, mas não tem absolutamente nada a ver com o liberalismo clássico ou com a Escola Austríaca pós 2ª geração, que foi a sua maior opositora, de fato, pende muito a um keynesianismo envergonhado.