por PÉRSIO MENEZES e RENATO AMOEDO.
O QUE É CORRUPÇÃO.
O poder corrompe, o poder absoluto corrompe absolutamente. Esta frase conhecidíssima, atribuída a LORD ACTON (John Emerich Edward Dalberg-Acton), demonstra não ser de hoje, mas de há muitos séculos, ser consabido que a corrupção tem correlação com o exercício ilegítimo do poder.
A corrupção operacionaliza-se por um conjunto de atos através dos quais duas ou mais pessoas atuam para que uma, com poder, satisfaça o interesse ilegítimo da outra. Interesse ilegítimo que pode ser tanto lícito, quanto ilícito. Não se há de confundir corrupção com ilicitude, mas com o ato ilegítimo e abusivo do poder.
Os organismos se proliferam no meio de cultura que contenham os nutrientes apropriados para seu crescimento. Nas condições ambientais certas, contando com a assepsia de modo a se evitar contaminação com outros entes interesseiros, o organismo hierárquico com poder (estado) torna-se a fonte da corrupção, por excelência. Esse organismo não é estático, pois a política estatal não é estática, é dinâmica. Por isso, o poder hierarquizado causa corrupção, e o aumento do poder hierarquizado implica em inevitável e exponencial aumento da corrupção.
O ente hierárquico com poder (estado) funciona dinamicamente, razão pela qual é natural haver mais concentração de interesses políticos estatais e mais corrupção no curso do tempo, pois este tem trabalhado a favor da concentração de poder ao longo do século XX. O reverso da fortuna, a única solução para a contenção do poder do estado é sua fragmentação que ocorre segundo a capacidade de resistência às forças que contra ele forem aplicadas. O reverso da fortuna, em relação à corrupção e, por suposto, em relação ao poder hierarquizado (estado) é a eliminação da intervenção econômica (privatização), é a desregulamentação (desburocratização), é a liberdade de mercado (revogação de atos normativos estatais).
Essa equação contempla a antítese do “poder político estatal x autonomia social”. O estado e suas intervenções subsistem na medida da propensão à política estatal. Quanto maior o poder político estatal, menores serão as liberdades individuais, menor a autonomia da sociedade em relação ao corpo político estabelecido. Quanto maior o poder político estatal, maior a corrupção, maior a hierarquia e maior a coerção imposta sobre o indivíduo.
COMO EFETIVAMENTE A CORRUPÇÃO É DIMINUÍDA.
O único modo reconhecidamente eficaz para diminuição da corrupção é a eliminação de estruturas coercitivas hierárquicas (estado) permitindo que a sociedade civil, ela própria, auto-regulamente seus interesses e seus modos de legitimação de atuação. Exatamente por isso, há uma forte correlação no binômio “liberdade econômica x ausência de corrupção”, ou seja, quanto maior a liberdade econômica, menor a corrupção.
Nessa mesma ordem de ideias, as intervenções estatais seguem no caminho oposto à diminuição de corrupção, o que é o caso das “10 medidas”. O aumento da legislação, a criação de barreiras burocráticas, a construção de métodos coercitivos jamais redundaram em diminuição de corrupção. Os exemplos históricos mostram o contrário, intervenções estatais são exatamente o prolífico ambiente de surgimento dos corruptos, que o diga Al Capone, um dos beneficiários clássicos mais conhecidos da “legislação anticorrupção”.
A auto-regulamentação social prescinde de intervenção estatal, é horizontal, colaborativa e conta com a cooperação dos indivíduos. De tal modo é eficaz a auto-regulamentação que ela dispensa, na maior parte dos casos, a formalização de seus atos por lei ou por contratos escritos. Em toda a história a auto-regulamentação social sempre funcionou, e muito bem, e sempre funcionou muito mal por meio da coerção verticalizada. O modo social de solução de conflitos é oposto ao modo estatal de resolução de conflitos. O primeiro é simples, informal e de baixo custo. O segundo é complexo, formal e de alto custo.
A eliminação de corrupção implica no manuseio do modo social de solução de conflitos, pressupõe a privatização, ou seja, cessação da intervenção da política (estado) na vida econômica da sociedade, pressupõe desregulamentação, ou seja, revogação da legislação que aponte para o controle da atividade cultural e econômica da sociedade, pressupõe a desburocratização, ou seja, a extinção de órgãos que não contribuem em nada com a sociedade e são apenas escadas para o exercício do poder estatal, por exemplo, o Supremo Tribunal Federal – STF.
A BOA MÁ-FÉ DO ESTADO E SUAS EXPECTATIVAS.
Há uma conduta de profunda má-fé do estado, de seus órgãos e de seus funcionários quando afirmam que intentam combater a corrupção. Esse ato de má-fé estende-se à linguagem que empregam, como “recuperação de lucro derivado de crime” ou “Prisão preventiva para assegurar a devolução do dinheiro desviado”. O que deixa-se de afirmar é que milhares de pessoas são ilicitamente condenadas em juízo e outros milhares tornam-se beneficiários de benefícios salariais provenientes de atos de criminalização da sociedade.
Quando o estado afirma que devemos combater a corrupção, ao mesmo tempo ele se esquiva de dizer como as coisas acontecem no mundo real em termos práticos. Vamos a este mundo e exemplificando como efetivamente as coisas ocorrem. Tornou-se público e notório o caso que levou à condenação de Gustavo Kuerten em relação ao fisco que apontou um débito da ordem de R$5 milhões de reais, aproximadamente.
O caso de Gustavo Kuerten não implica propriamente em sonegação, mas no fato que o estado “reclassificou” o enquadramento tributário para inseri-lo em uma alíquota maior. Ou seja, o estado não respeita à declaração do contribuinte e escolhe o que é mais favorável ao próprio órgão recolhedor de impostos. Não apenas legisla em causa própria como fiscaliza em causa própria. O caso Gustavo Kuerten é relevante como exemplo da atuação estatal que sanciona e criminaliza mesmo aqueles que não cometeram ilícito de qualquer ordem.
E esse sancionamento ocorre rotineiramente na atuação do ministério público, estadual ou federal, esse sancionamento da atuação do cidadão é causa comum de todos os órgãos de fiscalização. Tanto assim que se tornou comum a assertiva que o cidadão tem de provar sua inocência a cada passo que dá. O estado brasileiro reverteu o adágio segundo o qual se afirma que a inocência é presumida. Em termos reais, isso definitivamente não ocorre, pois não mais se presume a inocência. É rotina e praxe dos agentes do estado criminalizarem a atividade privada. Nessa ordem de ideias é que se enquadram as “10 Medidas”.
OS ERROS (VAZIOS) GENÉRICOS DAS “10 MEDIDAS”.
Tomadas as razões acima como uma introdução superficial, vejamos as “10 medidas” contidas nos itens abaixo, segundo o MPF:
1. Prevenção à corrupção, transparência e proteção à fonte de informação;
2. Criminalização do enriquecimento ilícito de agentes públicos;
3. Aumento das penas e crime hediondo para a corrupção de altos valores;
4. Eficiência dos recursos no processo penal;
5. Celeridade nas ações de improbidade administrativa;
6. Reforma no sistema de prescrição penal;
7. Ajustes nas nulidades penais;
8. Responsabilização dos partidos políticos e criminalização do caixa 2;
9. Prisão preventiva para assegurar a devolução do dinheiro desviado;
10. Recuperação do lucro derivado do crime.
O primeiro grande “erro” das “10 medidas”, algo que nos causa profunda estranheza, é que elas não são dirigidas a combater a corrupção propriamente dita e nem suas causas. Como o estado é a fonte primária da corrupção, nada que diga respeito ao poder hierárquico (estado) e sua contenção é atacado nas “10 medidas”. É algo muito sério o fato de não se combater a causa da corrupção em medidas concebidas “contra a corrupção”. Em nenhum momento consta qualquer medida visando a desburocratização ou a simplificação da vida em sociedade. Segue-se o caminho oposto com a criação de problemas e de ônus procedimentais a diversos agentes, o “agente corrupto” e o “beneficiário” da corrupção, em conta da realização de “ato ilícito” ou administrativamente ímprobo.
Ao contrário do que exige o combate à corrupção, criam-se novos procedimentos legais, atribui-se poder a várias facções estatais (MPF e outros), nessa atribuição atacam-se outras facções (deputados, senadores e outros), algo que, em termos reais, fará com que a corrupção seja realocada em favor dos órgãos que passarão a deter poder. Ou seja, haverá apenas uma mudança de endereço, não a eliminação da corrupção. Se anteriormente o centro da corrupção era a política estatal, com as “10 medidas” o centro se estabelecerá no poder judiciário e demais órgãos a ele ligados, como o ministério público federal e demais.
Exemplificativamente, e nessa linha, as “10 medidas” não atacam atos de corrupção causados por magistrados, por promotores, por procuradores ou ministros integrantes do judiciário. O exemplo clássico de corrupção de ato ilícito praticado por guardiões da lei a fim de beneficiá-los (auxílio-moradia), não consta das medidas. O auxílio-moradia, dizem, custa mais que R$1 bilhão de reais ao ano, e nenhuma medida judicial foi tomada, por nenhum promotor ou procurador, contra isso. Silencia-se sobre os problemas dos órgãos judiciais, mas não se silencia sobre os problemas ordenamento jurídico naquilo que permite entregar poder ao MPF ou ao Judiciário.
As “10 medidas” silenciam, e não atacam, os atos de improbidade praticados por promotores e magistrados no exercício das respectivas funções, algo que é sem dúvida um problema gravíssimo. Não é incomum que magistrados e promotores mintam em processo objetivando a condenação de alguém ou objetivando beneficiar alguma das partes, isto numa ação penal comum, isto numa ação de improbidade administrativa ou noutra. Por exemplo, o ministro BARROSO, do STF, mentiu explicitamente ao fundamentar seu voto pela suspensão do rito do impeachment de DILMA no momento em que EDUARDO CUNHA era presidente da câmara dos deputados. Outro exemplo, no julgamento do impeachment no Senado, o ministro LEWANDOWSKI descumpriu diretamente o contido na CF, art. 52, p.ú., a fim de beneficiar DILMA e não cassar seus direitos a exercício de cargo estatal. Em ambos os casos, nem BARROSO, nem LEWANDOWSKI sofreram qualquer sorte de punição, não lhes foi aberto qualquer procedimento por conta do ilícito que praticaram. Não fosse isso suficiente, ambos os julgamentos tiveram nítido caráter político ideológico, com participação de terceiros interessados sem que de algum modo a parte interessada (sociedade) tivesse possibilidade de saber o que ocorreu nos bastidores do poder. As “10 medidas” denotam ser apenas uma disputa de poder interna do órgão hierarquizado (estado), com as características do “órgão judiciário estatal” atacando os “órgãos políticos estatais” e seus comparsas.
Além de não combater a corrupção, combate-se, em poucos casos, a consequência de atos de corrupção. Na listagem apresentada pelo MPF, somente os itens 2 e 8 são equiparáveis a atos derivados de corrupção propriamente ditos. Os demais são problemas sistêmicos existentes no ordenamento jurídico como um todo e não exclusivamente na modalidade “caça ao corrupto”. Das medidas, nota-se que o sistema jurídico brasileiro é disfuncional, pois as “10 medidas” atacam sua inoperacionabilidade, algo esdrúxulo, na medida em que não há correlação estrita com o tema da corrupção naquilo que respeita ao (3) Aumento das penas e crime hediondo para a corrupção de altos valores; (4) Eficiência dos recursos no processo penal; (5) Celeridade nas ações de improbidade administrativa; (6) Reforma no sistema de prescrição penal; (7) Ajustes nas nulidades penais; (9) Prisão preventiva para assegurar a devolução do dinheiro desviado; (10) Recuperação do lucro derivado do crime.
BREVE RESUMO DA ATUAL SITUAÇÃO SOCIOPOLÍTICA DO BRASIL
O mensalão não foi um mero “esquema de desvio de dinheiro público com objetivo de enriquecimento ilícito”. Para que compreender a situação que tentamos elucidar, faz-se necessário lidar com os fatos da perspectiva de suas características intrínsecas: o chamado “Mensalão” foi — em absoluta precisão do termo — um GOLPE DE ESTADO. O esquema montado durante a gestão do “Lula” (e que mais tarde viria a ser popularizado sob a alcunha de “Mensalão”) constituiu-se em uma ruptura da separação dos três poderes. Essa ruptura contaminou toda a estrutura da República, (ato proposital segundo a “Estratégia Cloward-Piven”). Durante a época do Mensalão, o governo usou dinheiro do contribuinte para comprar as decisões dos congressistas. O mero fato do Legislativo ter suas decisões fraudadas (seja por chantagem, ameaça ou outros artifícios demonstrados na Ação Penal 470) pelo Executivo já se constituiria em ruptura da separação dos poderes e, portanto, em GOLPE DE ESTADO, mas o estratagema não parou aí.
O governo utilizou esse mesmo Congresso para inserir no Supremo Tribunal Federal 9 ministros (de um total de 11), garantindo, em decorrência da distribuição de favores, a subordinação do Legislativo e a do Judiciário. Para acrescentar, a sociedade foi obrigada a assistir calada essa mesma “constelação” de magistrados, que foram empossados de forma ILÍCITA e ILEGÍTIMA, ao mesmo tempo que julgavam os artífices do esquema criminoso responsável pela sua ascendência ao patíbulo do alto do qual proferiram seus juízos. Como se a ação de condenar os criminosos envolvidos pudesse, por passe de mágica, romper a cadeia de continuidade que liga o crime julgado àqueles que julgam.
Uma vez estabelecido o controle do cimo do Judiciário, através de indicações dos cargos mais altos (como as filhas dos ministros do STF, entre outros) o que proporcionou a aplicação de concursos públicos cada vez mais enviesados — e até mesmo, não raras vezes, fraudados. Pior ainda que as indicações imorais, são os concursos para os cargos decisórios da magistratura e dos órgãos acusatórios que apresentam longa tradição de fases orais e subjetivas — em que que os “ministros” ilegalmente empossados compõem bancas ou indicam seus componentes para fazer o serviço, sem contaminar diretamente as própria mãos. Em paralelo a tudo isso, as demais instâncias do Judiciário foram ocupadas por correligionários submissos à elite governante — garantindo assim o perfeito controle desse Poder através da estratégia de aboletar agentes ou colaboradores em praticamente todo e qualquer cargo com alguma relevância.
O processo de infiltração, subversão e uso do Judiciário para “assassinatos de reputação” com acusações seletivas e fraudadas é bem descrito por Romeu Tuma Junior nas duas obras escritas como defesa pública: “Assassinato de Reputações: um crime de Estado” e “Assassinato de Reputações II — Muito Além da Lava Jato” (ambos com coautoria do jornalista Cláudio Tognolli).
A ATUAL SITUAÇÃO JURÍDICA DO BRASIL
Há outros fatos que expõem o caráter do governo que instituiu um Estado de Exceção. Segundo dados oficiais, houve mais de um milhão de mortes violentas na década e mais de 90% delas permanecem sem esclarecimento, nem punição; e, abundam casos cujas circunstâncias apontam suspeita de assassinatos políticos. É possível citar como exemplos das mortes relacionadas ao episódio do assassinato do prefeito Celso Daniel; a execução em casa do Coronel Magalhães (dias depois de ter acusado publicamente “Lula” de ser mandante de assassinato e colaborador do regime militar); além das mortes impunes provocadas pelas milícias paramilitares, como aquelas ocorridas por ação do MST, em Sergipe, em março de 2015, horas depois do mesmo Luiz Inácio ter convocado “o exército de Stédile para guerra”. Na lista também pode ser adicionada a morte do advogado Leandro Balcone, líder do MBL, alvejado por 12 tiros em seu escritório, no ápice da campanha do MBL pelo impeachment.
Diante da sequência de acontecimentos mencionados acima, mas um fato da ordem da realidade: primeiro, por não haver mais instituições funcionais; e, em segundo, pela ilegalidade ser a regra, até mesmo em crimes graves, como homicídios (conforme demonstrado no parágrafo anterior) — a definição de Estado de Exceção é a situação em que instituições suspendem o Estado de Direito, ou seja, onde a legalidade não é aplicada como regra geral devido as ações de governo. Ocorre que, em um ambiente no qual os meios de comunicação aparelhados e/ou comprados, intelectuais e demais formadores de opinião (a exemplo de “artistas”) foram “rouanetizadas”, encontrar informação legítima, sem comprometimento com o castelo de fraudes no qual se tornou o governo, é difícil.
QUEM PROPÕE AS DEZ MEDIDAS
O Estado de Direito é a situação em que a legalidade (rule of law) é a regra genérica aplicável a todos. No Brasil vige o contrário, inexiste o princípio de igualdade forma, centenas são os exemplos, mas podemos situar a questão em dois, o foro privilegiado para políticos estatais e o auxílio-moradia para magistrados e promotores. A contemplação do quadro geral da situação jurídica atual faz suscitar na mente uma única questão: durante todos os anos em que as circunstâncias descambaram até alcançarmos a calamidade apocalíptica na qual agora nos encontramos, o que faziam as instâncias máximas da República responsáveis por zelar pela ordem institucional? Sendo a função máxima do Ministério Público a de “fiscal da lei”, por si só, o cenário descrito (repetindo: no qual a ilegalidade é a regra quase absoluta) já deveria ser motivo mais do que suficiente para qualificar esse mesmo Ministério Público como ineficaz, ineficiente e — até mesmo! — ilegítimo (um fiscal da lei de onde não tem lei?). O que estava fazendo o MP durante a década e meia na qual o Brasil foi governado por um partido que fere de maneira flagrante, pública e notória todas as três condições previstas na lei eleitoral como suficientes para a cassação do registro de um partido? A sabê-las: [01] Financiamentos ilegais sistemáticos (conforme demonstrado nos casos do “Mensalão” e “Petrolão”); [02] Submissão a instituições estrangeiras (comprovadas pelas atas do Foro de São Paulo, as quais — de quebra! — comprovam TAMBÉM a estreita relação de diversos partidos, inclusive o Partido dos Trabalhadores, com grupos CRIMINOSOS, como as FARC); e [03] Manutenção de milícias paramilitares (a exemplo do MST) por todo o território nacional (mantidas em larga medida pelo erário e usadas para promover atos terroristas). Enquanto esse quadro se desenrolava, onde estava o MP para, agora, emitir opinião sobre um problema que só chegou ao ponto em que chegou graças ao fato de o próprio MP ter permanecido inerte enquanto o problema nascia e grassava? Quantas ações o MP impetrou pedindo a prisão dos integrantes da organização criminosa conhecida como MST? O que o MP fez efetivamente para combater a matança impune de mais de um milhão de brasileiros? Quantas vezes o MP pediu a cassação do PT?
A alegação de que petistas foram acusados pelo MP nos casos do “Mensalão” e “Petrolão” não responde à questão anterior. Primeiro, porque ao acusar os petistas de crimes meramente patrimoniais, absolve-os dos verdadeiros tipos — muito mais graves —; e, segundo, que imputando a culpa a pessoas específicas e não à organização, absolve o partido que se estruturou e atuou como organização criminosa.
Nesse período foram sistematicamente fraudados: [01] o Legislativo, pela compra de votos e assassinatos de reputação); [02] o Judiciário, por concursos fraudados e enviesados e por indicações apoiadas pelas fraudes no legislativo); [03] o Executivo, por eleições ilegais, com partidos ilícitos (financiados com dinheiro do crime), executadas através de crimes eleitorais e fiscalizadas — E julgadas! — por comparsas infiltrados no Judiciário (importante frisar que, mesmo que não houvesse outro ilícito, o processo eleitoral já estaria comprometido apenas pelo fato de a contagem dos votos, executada pela bolivariana Smartmatic — empresa envolvida com ditaduras e crimes pelo mundo —, ser inauditável); e [04] os meios de comunicação, por uso maciço do poder econômico (transformando o Estado em maior anunciante e financiador de eventos “culturais”) e político (com ameaças veladas de cassação de licenças e suspensão de financiamentos a instituições que não transmitissem, exclusivamente, a pauta oficial da ditadura).
Em suma, eles fraudaram o Legislativo com o “Mensalão”, depois utilizaram o Legislativo fraudado para fraudar o Judiciário (com indicações de aliados ideológicos), em seguida, utilizaram o Judiciário fraudado para promover eleições fraudadas, inauditáveis (Dias Toffoli, advogado do PT, nunca passou em nenhum concurso público, réu penal múltiplo, foi alçado à condição de presidente do TSE, de onde executou, fiscalizou e julgou as eleições — para mais detalhes sobre a excelsa biografia desse senhor, pesquise na internet o artigo com o sugestivo título de “O réu que virou juiz”).
Seria sandice acreditar que o projeto de poder em questão, depois de ter executado um trabalho tão profundo e vasto de aparelhamento e apropriação da máquina estatal, além de uma pesada lavagem cerebral ideológica promovida através do Ministério da Educação com conivência e com colaboração de todos os órgãos de comunicação de grande alcance, tenha deixado passar incólume o Ministério Público. São órgãos dessa ditadura que propõem e apoiam essas “10 medidas contra a corrupção”. Para os que têm a mínima noção de quem é quem no meio jurídico, nem sequer é necessário esclarecer quem é Janot ou Adams — ou afirmar que a reputação deles não é muito diversa das atribuídas a Toffoli, Lewandowski ou Fachin. Em uma situação de ilegalidade como a descrita, em verdade, a aprovação de leis que aumentassem os poderes do Estado deveria ser sistematicamente rechaçada como ilegal, ilegítima e imoral. Porém, muitos que se consideram dissidentes apoiam as 10 medidas como o argumento de que “são apoiadas pelos promotores da lava jato”. Vamos dizer o que é a Lava Jato.
COMO A LAVA JATO APENAS AUMENTOU O PODER DO ESTADO
Os “veículos da grande mídia”, controlados por ameaças de perda de anúncios estatais e até de cassação (como foi expresso textualmente no Caderno de Teses do PT) constantemente mostram as ações de “combate à corrupção” (a exemplo da “Lava Jato”) como atos que enfraqueceriam a ditadura. Esse fato é pura propaganda e desinformação. Essa operação fortaleceu em grande medida o projeto de poder do Foro de São Paulo, ao enfraquecer a “burguesia interna” — reduzindo a chance de empresários financiarem dissidentes e aumentando a presença do Estado (e dos apadrinhados do Foro de São Paulo) no controle da economia. Uma demonstração disso é o financiamento bilionário destinado pelo governo a apadrinhados, com o objetivo de comprar ativos de empresas acusadas — essas, forçadas a pagar multas e desinvestir do país enquanto ainda podem (a exemplo da transação na qual a Camargo Correia vendeu a Alpargatas para a JBS, através de um financiamento da Caixa Econômica).
Afirmar que a Lava Jato reduziu o poder da ditadura é o mesmo que afirmar que os julgamentos stalinistas reduziram o poder de Stalin. As operações de “combate à corrupção” produziram perdas e desinvestimentos bilionários à iniciativa privada — o que, irremediavelmente, leva ao controle da ditadura na economia, na política e na mídia (com a dominância dos investimentos no setor de propaganda, através das estatais; após a Lava Jato, o governo passou a ser, praticamente, o único anunciante com verbas relevantes para gastar). E, no aspecto cultural, ainda apresentam a vantagem da “dessensibilização”. Ora! Se, nem com o maior escândalo de corrupção da História da Humanidade, seus responsáveis — Luiz Inácio e Dilma — foram presos ou sofreram a mais branda punição que fosse, então nada posterior que fosse revelado teria como atingi-los de maneira significativa.
A teoria do “siga o dinheiro” aplicada nos julgamentos resultou em graves penas a empresários que eram (e são) mais vítimas do que partícipes (na medida em que foram chantageados) — e nenhuma punição aos partidos manifestamente ilegais por receberem, sistematicamente, dinheiro criminoso; também não houve nenhuma perda para os eleitos com o dinheiro sujo. Essa teoria não explica o caso e sua aplicação demonstra que quem a expressa não compreendeu a realidade fática: o movimento comunista decide de maneira estratégica, sempre em função de um objetivo, que é o de se perpetuar no poder com um Estado totalitário (como eles próprios admitem repetidamente), jamais sendo norteado por lógica financeira. Quem aborda o problema a partir da aplicação da teoria do “siga o dinheiro” está partindo do pressuposto de que as falcatruas executadas pelo Partido dos Trabalhadores seguiram uma lógica meramente financeira, estritamente voltada para o enriquecimento pessoal dos que as praticaram; quem assim procede não está lidando com os fatos a partir de suas propriedades intrínsecas, está apenas lidando com uma representação eufemística cuja única função é obliterar a real extensão do problema, fazendo com que um leão seja encarado como um “gatinho doméstico que tomou muito leite”.
DOS ERROS ESPECÍFICOS DAS “10 MEDIDAS”.
A despeito do afastamento de Dilma Rousseff e ao contrário do que pode parecer à primeira vista, o projeto de poder do Foro de São Paulo — do qual o Partido dos Trabalhadores é apenas uma ferramenta que pode ser descartada a qualquer momento em que for conveniente — continua forte. Através dos governos de inspiração leninista que ocuparam e dominaram o Brasil a partir de 2002 — ou a partir de 1994, se considerarmos a contraparte do PT naquilo que ficou conhecido como a “Estratégia das Tesouras”, traçada por Lênin; contraparte desempenhada pelo PSDB, que serviu de abre-alas para as atrocidades que posteriormente seriam cometidas pelo PT —, a esquerda revolucionária consolidou as ferramentas de controle social necessárias para alcançar seu objetivo final (nas palavras de Luiz Inácio, o de “recriar na América Latina aquilo que se perdeu no leste europeu”). No domínio das engrenagens, a esquerda agora dispõe de instrumentos para guiar o destino político do Brasil, inclusive com independência em relação à circunstância de estar ou não no comando do Poder Executivo.
Esses instrumentos são representados pela penetração e aparelhamento do estamento burocrático, sobretudo em relação a duas áreas principais: [01] A subjugação das consciências das gerações mais jovens, através do sistema de ensino para a realização da lavagem cerebral (p. ex., livro “Nova História Crítica” de Mario Schmidt, adotado pelo MEC ainda no governo FHC); e [02] O controle interno dos mecanismos balizadores do estamento burocrático, como é o caso do Ministério Público (MP), o ponto de interesse neste artigo. Foge ao escopo deste texto provar o aparelhamento do MP. Partiremos do pressuposto que o leitor está minimamente inteirado da situação política do país, mas oferecemos, apenas a título de ilustração, a avaliação aplicada na seleção de estagiários para o MPF, ocorrida em maio (veja http://goo.gl/GroHjn). Em suma, o mero afastamento de Dilma, que chegou ao Palácio do Planalto de forma invalida — uma vez que se tratou de uma eleição cujo o resultado não pode ser auditado — nas asas da Smartmatic, não anula os efeitos dos crimes cometidos que encabeçava, tampouco neutraliza os expedientes criminosos colocados em funcionamento durante os anos em que ditavam as regras do jogo.
O cerne da estratégia de poder do grupo que se apoderou do estamento burocrático é a utilização de expedientes nos quais há o efeito alegado e o efeito real, sendo que os últimos são sempre contrários aos primeiros. Por isso, não é surpreendente o fato que parcela da população considerada informada não se dê conta que as “10 Medidas contra a corrupção” são apenas mais um cavalo de Tróia.
Como amplamente sabido, o Ministério Público Federal conseguiu coletar o número necessário de assinaturas para apresentar ao Congresso Nacional um projeto de lei baseado nas chamadas “10 medidas”. Aí começa o problema, é um ato com origem intra-estatal, que visa atender interesses de um grupo de funcionários públicos, grupo que nem de longe representa os interesses da população. Utilizou-se a estratégia da coleta de assinatura, as quais foram usadas para dar uma imagem de “de iniciativa popular” a um conjunto de propostas que se pretende que seja tornado leis, propostas essas cuja real natureza é incompreensível para quem quer que não possua um domínio mínimo dos saberes jurídicos. Quem compreende esse fato não pode se furtar a fazer a indagação: entre as pessoas que endossaram o abaixo-assinado que clama pelas “10 medidas”, quantas delas são realmente capazes de entender o que se encontra por trás da fachada propagandística com as quais elas (as medidas) são anunciadas? Além disso, como poderia ser popular uma iniciativa de um órgão do governo e que usou recursos do governo em campanha de marketing agressiva durante anos? Partindo desses questionamentos iniciais, o escopo desse artigo é o de tirar o véu de melhores intenções e apresentar ao cidadão médio, leigo em ciência jurídica, a real natureza das chamadas “10 medidas”.
Assim como o “desarmamento pela paz” resultou em mais homicídios e mais impunidade (tornando o porte de armas uma quase exclusividade de criminosos); assim como a “democratização da mídia” concedeu seu monopólio aos agentes da ideologia hegemônica e iniciou um processo de perseguição a dissidentes; assim como os “conselhos populares”, em vez de promover “democratização política”, esvaziariam o poder dos políticos eleitos, dando a sovietes compostos por acólitos do Foro de São Paulo poderes políticos e legais sem que nunca tivessem sido eleitos, concursados ou legitimados de qualquer outra forma pelo corpo social; assim como a implementação do “Marco Civil” (cuja propaganda prometia “democratizar” a Rede) serviu para colocar os serviços digitais submetidos ao arbítrio de burocratas destruidores de valor e liberdades; assim como em cada um desses cenários (concretizados ou não) o real objetivo era o exato oposto daquele que constava no nome propagandístico com o qual seus apologetas os invocavam; assim TAMBÉM as tais “10 medidas de combate à corrupção” foram calculadas para aumentar os estímulos à corrupção.
MEDIDA 01
A primeira medida compõe-se de três propostas: (a) que o Poder Judiciário seja obrigado a encaminhar os dados de casos de corrupção para o CNJ [Conselho Nacional de Justiça] e para o CNMP [Conselho Nacional do Ministério Público]. (b) cria mecanismos de “flagrantes provocados” para incriminar agentes públicos e (c) chancela uma parcela dos recursos de publicidade dos órgãos públicos (10% a 20%) para ser gasta com campanhas publicitárias que criem no país uma cultura de delação.
Outorgar poder ao estado sempre foi uma péssima alternativa para resolução de qualquer demanda social. A primeira medida começa com o aumento desmedido do poder do estado, impondo o dever de enviar dados a órgãos do estado que os receberão e se tornarão uma instância do poder público com amplo e irrestrito acesso a todas as informações relativas a uma infinidade de processos. Naturalmente, isso cria enorme concentração de poder nas mãos de instituições sobre as quais os acontecimentos recentes demonstram o grau de aparelhamento ideológico e comprometimento com projetos de poder. Tomemos como exemplo o que fez o Foro de São Paulo nos anos de poder de Dilma e de Lula, favorecendo enormemente a perseguição de quem quer que se colocasse contra o Regime. O corrupto que se alia ao Regime é bem tratado, o corrupto que se opõe ao Regime é destroçado. Lembremo-nos do tratamento recentemente dispensado a Eduardo Cunha e a Renan Calheiros. De um lado, o inimigo da agenda do governo é perseguido de todas as formas, de outro lado, o corrupto que abençoa os desmandos e as falcatruas é blindado pelo organismo estatal.
A perseguição a dissidentes é uma praxe histórica e sistêmica do estado, alcançado na primeira proposta da primeira medida e reforçado na segunda. O texto original fala de “simulação de situações, sem o conhecimento do agente público ou empregado, com o objetivo de testar sua conduta moral e predisposição para cometer crimes contra a Administração Pública”. A terminologia aberta e subjetiva cria uma tempestade perfeita, a oportunidade para a perseguição política de agentes do Estado que não demonstrem subserviência ao governo. Vale lembrar que a teoria jurídica sobre a qual o Estado de Direito se assenta não aceita “flagrantes provocados”, nem mesmo para punir criminosos contumazes. E há motivos históricos para isso, para garantir a imparcialidade é preciso criar limites claros e objetivos no poder estatal de investigar e punir, caso contrário, criar-se-ia um Estado totalitário mais prejudicial que a própria ação criminosa combatida. Como um remédio que causa mais dano que a doença em si, esse é o espelho das “10 medidas”. Dar-se-ia ao Estado motivações para cometer abusos sistemáticos e a facilidade para expurgar servidores não alinhados a seus objetivos. Por exemplo, dar a um superior hierárquico poder de determinar uma ordem ilegal a um subordinado, diante do dilema de obedecê-la correndo o risco de ser preso ou não obedecê-la correndo o risco de ser demitido, e depois preso. A forma como o MP seja tratada a corrupção é análoga aos métodos utilizadas na União Soviética no período stalinista.
MEDIDA 02
A segunda medida se refere à “criminalização do enriquecimento ilícito de agentes públicos” e propõe o estabelecimento de penas de três a oito anos para essa tipificação que passará a existir, passíveis de diminuição no caso de delitos menos graves. Em teoria, cabe à acusação provar a existência de renda discrepante da fortuna acumulada pelo agente público. “O ônus de provar a existência de renda discrepante da fortuna acumulada é da acusação, que só terá êxito se nem uma investigação cuidadosa nem o investigado apontarem a existência provável de fontes lícitas. Evidentemente, se a investigação ou o acusado forem capazes de suscitar dúvida razoável quanto à ilicitude da renda, será caso de absolvição”. Na prática, quem conhece os trâmites processuais usuais, quem acompanha e segue acusações penais sabe que poucos são os processos desenrolados com isenção e com um órgão julgador capaz. Em termos práticos, a grande parte segue outra lógica, e nesta lógica o acusado deve se provar inocente. Em poucos casos o MP faz prova do que alega, ainda assim condenam-se as pessoas por argumentos usualmente morais e subjetivos.
A melhor maneira de estatizar toda a propriedade usualmente ocorre pelo imposto de renda. No Brasil, a legislação fiscal foi planejada para (a) ser de impossível cumprimento e para, desse modo, (b) criminalizar de antemão todo proprietário, (b) deixando-o a mercê do governo, que, a cada momento, decide quais cabeças cortar e quais deixar para sobreviver. Assim, estatizar tudo, pouco a pouco, sem assumir a responsabilidade da estatização ostensiva e sem parecer que totalitário é um ato político suave, mas radical. Dessa forma, de saída, essa medida dá mais um passo na ampliação do poder do Estado rumo ao totalitarismo, nas palavras de Friedrich Von Hayek, “A liberdade não se perde de uma vez, mas em fatias, como se corta um salame”.
Para que tal proposta seja exequível, é pré-requisito que seja criado um sistema de controle o qual tenha o poder de monitorar todo o patrimônio de todos os agentes aos quais ela se aplica. Assim, essa proposta tem por finalidade transformar todos os servidores públicos em vulneráveis, agravando a assimetria de informação e, consequentemente, a assimetria de poder. Alguém poderia argumentar que a crítica que foi feita a essa proposta pressupõe que quem a formulou o fez de má fé. Sim, pressupõe. E a prova de que ela foi formulada de má fé está na própria redação da proposta. Reparem no trecho que diz “se a investigação ou o acusado forem capazes de suscitar dúvida razoável quanto à ilicitude da renda, será caso de absolvição”. Ocorre que o sistema jurídico brasileiro é baseado no chamado “Princípio do Livre Convencimento Motivado do Juiz”. Isso significa que se houver 100 provas favoráveis à absolvição e uma prova favorável à condenação, o juiz que estiver julgando o caso poderá decidir que a prova que leva à condenação é mais significativa que as 100 que levariam à absolvição e, assim, condenar. É um dever que o próprio modelo do sistema reserva aos magistrados. Assim, afirmar que “se a investigação ou o acusado forem capazes de suscitar dúvida razoável quanto à ilicitude da renda, será caso de absolvição” é, desde já, uma tentativa de predeterminar o resultado da ação do magistrado, o que é ilegal por si próprio, além de ser totalmente contrário às bases lógicas mais elementares do sistema jurídico brasileiro.
Há, ainda, uma terceira armadilha nessa proposta. Se um indivíduo médio for questionado se concorda com “a criminalização do enriquecimento ilícito”, é provável que concorde, pensando em enriquecimento em decorrência de prática criminosa (como desvio de dinheiro público, tráfico de drogas, roubo, etc). Porém, se for questionado se deve ir para a cadeia o cidadão cujas fontes de aumento patrimonial não sejam reconhecidas pelo Estado, sem que esse aumento tenha advindo de alguma atividade criminosa, poucas pessoas concordariam. É necessário compreender que “enriquecimento ilícito” nada mais é do que o ato do Estado não aceitar a justificativa que o cidadão deu para o aumento do próprio patrimônio. O fato de o Estado não aceitar essa justificativa não significa necessariamente que o patrimônio tenha aumentado por conta de atividade criminosa. Aliás, nesse aspecto, o estado usualmente criminaliza atividades privadas para o fim de obter receita. De mais a mais, criminalizar a vida em sociedade implica em aumento do poder de burocratas. Aquele indivíduo médio que responderia que concorda com a criminalização do enriquecimento ilícito não compreende que os crimes que ele tem em mente para concordar com essa proposta já estão tipificados (desvio de dinheiro público, tráfico de drogas, etc). Essa nova tipificação trará pena de cadeia não para pessoas que cometeram os crimes citados anteriormente, mas apenas para aqueles que não satisfizerem requisitos administrativos de controle patrimonial impostos por órgãos como a Receita Federal (vide o escândalo do CARF). Enriquecimento ilícito é totalmente diferente de enriquecimento criminal, mas o indivíduo leigo não tem embasamento para estabelecer essa diferença. E foi exatamente explorando a falta de traquejo com o campo jurídico que o MP conseguiu tanta adesão de “indivíduos médios” (percebam que nesse ponto fica evidente o real objetivo do estratagema de torrar milhões para vestir de “iniciativa popular” um conjunto de medidas que foram concebidas por um órgão do governo).
MEDIDA 03
A terceira medida propõe o aumento das penas e a elevação da prática de corrupção nos casos de “valores altos” à categoria de “crime hediondo”, sob a alegação que “a corrupção mata como decorrência do cerceamento de direitos essenciais, como segurança, saúde, educação e saneamento básico. Por isso, a referência punitiva da corrupção de altos valores passa a ser a pena do homicídio”.
Sobre isso, há de se conceber que o estado dá origem a um custo altíssimo sem qualquer prestação de serviços com mínimo de eficácia, gera enorme concentração de riqueza normalmente depositada perante seus funcionários de alto escalão. Assim, os direitos essenciais, como segurança, saúde, educação e saneamento básico seriam melhorados e em muito como privatizações, desburocratização, desregulamentação. Enfim, com a diminuição de gastos estatais, estes usualmente inúteis à sociedade.
Ao mais, não é a rigidez da pena, mas a eficácia do sistema que produz a diminuição da criminalidade, mesmo da corrupção. Na prática, esta “medida” é inócua, o objetivo é apenas encher os olhos dos “inocentes”. O desincentivo à prática delituosa ocorre por uma relação entre o grau de rigidez da penalidade versus a probabilidade de o criminoso ser punido. Em um sistema jurídico eivado de indicações personalistas e que foi transformado em um balcão de troca de favores, penas maiores jamais funcionarão como desincentivo ao crime. Esse aviltamento do sistema judiciário é uma das causa de sua ineficiência. E, se a corrupção mata, a ineficiência dos Ministérios Públicos e do Sistema Judiciário mata muito mais, seja pelo custo, seja pela inutilidade dos serviços, seja pelo baixo grau de eficácia na denúncia e julgamento não apenas nos casos de crime de corrupção, mas em todos os crimes. A ineficiência dos Ministérios Públicos e do Sistema Judiciário deixa, além de corruptos, ladrões, assassinos, estupradores, grande parte de todos os outros criminosos soltos, livres para continuar delinquindo. Além disso, o Sistema Judiciário foi instrumentalizado para servir à agenda do estado, as decisões tornaram-se ideológicas numa espécie de “guerra de narrativas” processuais, em que os fatos e documentos não mais importam, nessa guerra a retórica leva à condenação e à inocência. Por isso, no STF, no STJ, e nos demais tribunais, vence quem tiver o melhor discurso personalista. Essa técnica retórica da guerra de narrativas está atualmente dispersa em sociedade e, exemplificamos, segundo ela, Lula não pode ser preso pois é o “pai dos pobres”. Usa-se a ideologia para que ela se sobreponha aos fatos, à objetividade, aos documentos e aos atos.
Aumentando as penas, aumenta o potencial danoso dos “ Assassinatos de Reputação”. Esses serão tão mais frequentes quanto mais instrumentalizado estiver o Judiciário. E, sobre esse grau de instrumentalização, apenas a título de ilustração, é exemplificado a seguir. Em 2013, Letícia Mello, filha de Marco Aurélio Mello, ministro do STF, foi nomeada, aos 32 anos, pela então presidente Dilma Roussef, para o cargo de desembargadora do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (RJ e ES). À época, até mesmo o jornal Folha de São Paulo publicou: “É considerada no meio jurídico uma advogada promissora, mas que dificilmente chegaria tão cedo a uma lista tríplice se o pai não estivesse no STF” (14/07/2013: “Filhas de ministros do STF disputam altos cargos no Judiciário mesmo sem experiência”). Por conta das acusações de pouca idade e inexperiência, em entrevista ao Folha de São Paulo, Marco Aurélio saiu em defesa da filha fazendo deboche de quem apontava o fato: “Se ser novo apresenta algum defeito, o tempo corrige”. Já em 2014, também a despeito da pouca idade e falta de experiência, Marianna Fux, filha de outro ministro do Supremo, Luiz Fux, chegou à lista tríplice de possíveis substituintes do desembargador Adilson Macabu, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Marianna não havia passado pelo crivo inicial do conselho da OAB-RJ, por não ter anexado documentos comprovando a prática jurídica. Em vez disso, apresentou uma carta assinada por Sérgio Bermudes, amigo pessoal de Fux e ex-conselheiro da OAB-RJ, como se a OAB fosse o “boteco” da família (dessa vez, evitaram o deboche e partiram já direto para o escárnio mesmo). À época, o jornal Folha de São Paulo destacou que “Marianna enfrenta só uma concorrente com a mesma idade: Vanessa Palmares dos Santos, 33. Os outros 36 candidatos têm idades entre 38 e 65 anos. Dois já foram finalistas da OAB-RJ em outras seleções, e metade tem mais de 20 anos de advocacia” (lembrando que tudo que ela ofereceu como comparação de tempo de experiência foi a opinião de um “chegado” da família). A situação do Sistema Judiciário Brasileiro é tão escrachada, que o ex-presidente da República, Luiz Inácio da Silva chegou a declarar que “Poder Judiciário não vale nada. O que vale são as relações entre as pessoas”. Alguma dúvida de que o aumento das penas dos crimes de corrupção valerá apenas para a corrupção “dos outros”? (Destacando que quem está apontando o baixo valor do sistema não somos nós, é o próprio ex-presidente Luiz Inácio).
Escrutinemos a terceira medida. A consequência de sua aprovação será o aumento dos recursos estatais em propaganda; em outras palavras, aumentar a verba que financia os blogs “alternativos”, grupos de MAV (Militância em Ambientes Virtuais) e todo o resto da militância a soldo do governo. O grau de imoralidade dessa proposta é exorbitante pelo simples fato que não é a população que tem que ser conscientizada pela vontade do Estado, aliás, não há justificativa para um estado dirigista da ética social. A utilização de dinheiro público vinculado à justiça para fazer propaganda de política pública de governo é totalmente inadmissível para quem dá o mínimo valor à autonomia e ao autogoverno. Em verdade, o estado deve ser proibido de comprar espaço publicitário e a mídia em geral. Além disso, uma vez que esses recursos sejam realocados de determinados serviços para a publicidade estatal, a carência de verbas para financiar as finalidades reais dos órgãos dos quais os recursos foram subtraídos será transformada na justificativa do governo para novamente enfiar a mão no bolso do cidadão, aumentando a já inaceitável carga tributária que impede o desenvolvimento econômico do país. O que funciona para combater crime é promover a diminuição do estado, a simplificação dos estatutos legais, revogação de leis, decretos e outros atos administrativos. Além disso salientamos três modos de diminuir crimes: [01] com processos de mérito objetivo para selecionar agentes públicos (sem concursos fraudados, enviesados, subjetivos, nem indicações personalistas); [02] com instituições que sigam minimamente os padrões éticos, que gerem motivações cooperativas em detrimento de motivações oportunistas (eliminando regulações indevidas); e [03] maximizando os direitos e liberdades individuais.
MEDIDA 04
A quarta medida alude ao “aumento da eficiência e da justiça dos recursos no processo penal”, através de [a] criação da possibilidade de execução imediata da condenação quando o tribunal reconhece abuso do direito de recorrer; [b] revogação dos embargos infringentes e de nulidade; [c] extinção da figura do revisor; [d] vedação dos embargos de declaração; [e] simultaneidade do julgamento dos recursos especiais e extraordinários; [f] novas regras para habeas corpus; e [g] possibilidade de execução provisória da pena após julgamento de mérito do caso por tribunal de apelação – reduzir possibilidade de recurso.
Primeiro, ainda que se alegue buscar eficiência, isso é algo impossível de ser atingido nos atos estatais. Eficiência, em termos materiais, depende da aferição de receitas e despesas em relação a demandas sociais. Ocorre que o estado trabalha à base de orçamentos. Ou seja, quanto mais deficitário o serviço, maior seu orçamento. Por princípio, a busca por eficiência no âmbito estatal é impossível de ser atingida.
Ao mais, a extinção de possibilidades de defesa e análises, com a extinção da figura do revisor, aumenta a “eficiência” do Estado na prática do uso de um de seus múltiplos órgão, neste caso o Judiciário, a fim de arrecadar e para perseguir dissidentes — não para garantir segurança jurídica nem prestação de uma justiça de fato interessada em verificar se os acusados são culpados ou não (vai punir mais, mas não vai punir melhor — tende a aumentar o número de punições e a reduzir a justiça dessas punições; mais inocentes passarão a ser condenados).
Menos análises do processo e menos possibilidades de defesa se traduzem em aumento das probabilidades da prática de assassinatos de reputação, de perseguição de dissidentes e da utilização do Sistema Judiciário para produzir arrecadação, baseado em condenações de inocentes. Como as outras medidas, reduz a segurança jurídica, rumo ao totalitarismo.
MEDIDA 05
A quinta medida visa “dar mais celeridade as ações de improbidade administrativa” e pretende fazê-lo através de três propostas: [a] supressão da possibilidade de que o acusado apresente uma defesa prévia — a redação da medida muito emblematicamente considera essa etapa do processo como “ineficiente e desnecessária” — ; [b] criação de varas, câmaras e turmas especializadas para julgar ações de improbidade administrativa e ações decorrentes da lei anticorrupção; e [c] criação da permissão para que o Ministério Público Federal firme acordos de leniência.
Mais uma vez nos deparamos com uma proposta milimetricamente planejada para azeitar a máquina de “Assassinato de Reputações”. O Estado de Direito é calcado na “presunção de inocência até que se prove o contrário”; para que exista a “presunção de inocência”, faz-se necessário que a Lei assegure o direito à ampla defesa, exatamente o que o primeiro ponto da quinta medida solapa. Atualmente, o acusado pode apresentar uma defesa prévia que, caso convença ao juiz, serve de extinção do processo antes mesmo do acusado se transformar em réu. No modelo proposto pelo MP, sem a etapa da defesa prévia, uma vez apresentada uma acusação, o acusado será automaticamente transformado em réu.
Essa medida avoluma o potencial danoso daquilo que Romeu Tuma Junior chamou de “Tribunal do Google”: com o encerramento da defesa prévia, inocentes acusados indevidamente serão publicamente considerados como réus de processos de improbidade durante anos. Atualmente, quando há uma acusação no Sistema Judiciário, a imprensa publica o fato. As manchetes jornalísticas que colocam o acusado na berlinda duram por um mês ou dois, uma vez apresentada a defesa prévia, o processo se extingue e a imprensa informa a inocência. Em geral, os jornais publicam o fato da acusação em manchetes garrafais e o fato da comprovação de inocência em alguma nota de rodapé perdida no caderno de classificados — quando publicam. Em se tratando de uma figura pública, o acusado, mesmo sendo inocente, sempre sai do imbróglio com algum prejuízo. Com o modelo proposto pela quinta medida, esse prejuízo aumentará exponencialmente:
Após uma acusação, a imprensa noticiará o fato. O acusado passa publicamente para a condição de réu, na qual permanecerá por toda a duração do processo, o que — sendo a justiça brasileira do jeito que é — pode ser eterno, dados os anos ou décadas que levam os processos a serem finalizados. Ou seja, após o indivíduo passar anos sendo tomado pela opinião pública como criminoso, o estrago na imagem já está feito, bem como, usualmente, a destruição da sua vida. Mesmo inocente, a situação é de lesão permanente gravíssima.
Que o texto da proposta considere a etapa da possibilidade de apresentação da defesa prévia como “ineficiente e desnecessária”, chega a ser um deboche acrescido do escárnio. Os órgãos mais ineficientes do planeta, incapazes de concluir um simples processo, almejam diminuir as oportunidades de defesa para contornar sua incapacidade sistêmica. Exemplificativamente, nada há de mais ineficiente que manter um processo por décadas, normalmente vazio de conteúdo, esta a praxe dos processo criminais brasileiro, algo que poderia ter sido encerrado no primeiro mês ou eventualmente sequer iniciado.
Ao mais, somente um órgão autocrático poderia conceber o direito de defesa algo “desnecessário” em um julgamento SUMÁRIO, em uma situação na qual o objetivo do julgamento não é averiguar a culpa do acusado, mas apenas assegurar sua condenação.
Para não fugir à regra, também a segunda proposta da medida 05 funcionará como Lubrax Ultra no motor da máquina de “Assassinatos de Reputações”. A criação de “varas, câmaras e turmas especializadas”, além de (mais uma vez) aumentar os gastos públicos, reduz o número de pessoas que decidem sobre o tema — o que, primeiro, facilita o controle central dos processos; além de também facilitar a decisão por simpatia ideológica na seleção dos altos cargos relativos a essas novas instâncias (“varas, câmaras e turmas especializadas”). Por fim, a ampliação de poderes ao Ministério Público Federal para fazer acordos de leniência não implica em melhor qualidade da prestação do serviço público, normalmente tais órgãos funcionam como meio de proteção às personalidades de interesse que tenham boas relações no MP, tal qual aconteceu quando Dilma Rousseff foi protegida por Janot.
MEDIDA 06
Após uma condenação definitiva, o Estado tem um prazo para aplicar a sentença. A primeira proposta da medida 06 consiste em aumentar esse prazo em um terço. Em segundo lugar, extingue-se a prescrição contada a partir da sentença, que é prejudicial ao sistema, por estimular táticas protelatórias, desperdiçar recursos públicos, punir um comportamento não culpável do Estado, bem como ensejar insegurança e imprevisibilidade.
A medida 6 propõe “reforma no sistema de prescrição penal” — aumentando o poder estatal de punir, mesmo que não sejam cumpridas as etapas legais nos prazos atuais:
À primeira vista parece uma mudança positiva, reduzindo as chances de impunidade por utilização de meios de defesa procrastinatórios. Porém, aumenta a insegurança jurídica e o custo de defesa, deixando os cidadãos mais tempo vulneráveis a acusações e punições. A maneira correta de reduzir a impunidade é tomar providências para eliminar a prática criminosa, e não dar poderes extraordinários a órgãos de persecução que já se provaram não confiáveis — pois parciais, ineficientes e ineficazes. No caso do crime de corrupção, a ação mais efetiva para dificultar a prática desse crime é reduzir o tamanho do Estado. Ao se dar mais poderes ao Estado, o que se está fazendo é aumentando o tamanho do Estado, ou seja, o exato oposto do que precisa ser feito para diminuir a prática da corrupção.
Além disso, cabe afirmar que essa proposta, além de reduzir a segurança jurídica e aumentar os custos de defesa, reduz as motivações pecuniárias do Estado para investir em celeridade judicial. O resultado tende a ser uma justiça mais lenta, mais cara e menos previsível. Em relação à necessidade de reduzir a impunidade e a leniência da justiça, a maneira eficaz e moral de fazê-lo não é aumentar prazos prescricionais, mas — sim — remunerar magistrados por eficiência (produção, celeridade e proporção de decisões idôneas e legítima) e retirando estímulos aos comportamentos oportunistas (como a expulsão da magistratura com vencimentos integrais).
MEDIDA 07
A medida 07 propõe uma série de alterações no capítulo de nulidades do Código de Processo Penal. Nesse caso, são feitas alterações (que o texto das medidas prometem ser “pequenas”) nos arts. 563 a 573, com cinco objetivos: 1) ampliar as preclusões de alegações de nulidades; 2) condicionar a superação de preclusões à interrupção da prescrição a partir do momento em que a parte deveria ter alegado o defeito e se omitiu; 3) estabelecer o aproveitamento máximo dos atos processuais como dever do juiz e das partes; 4) estabelecer a necessidade de demonstração pelas partes do prejuízo gerado por um defeito processual, à luz de circunstâncias concretas; e 5) acabar com a prescrição com base na pena aplicada em concreto, evitando a insegurança jurídica em relação à pretensão punitiva estatal. Além disso, sugere-se a inserção de dois novos parágrafos no art. 157, para introduzir a ponderação dos direitos e interesses em jogo na avaliação da exclusão da prova, o que está em harmonia com a legislação de diversos países democráticos, inclusive a norte-americana, de onde foi importada a regra da exclusão da prova ilícita e da prova derivada da prova ilícita.
Essa medida permite que o Estado puna pessoas sem que precise satisfazer os requisitos legais previstos pelo próprio Estado. Mesmo que a defesa comprove que uma acusação não contenha menção de ato específico, crime ou penalidade, o magistrado estará livre para ignorar a ausência de requisito legal, ou seja, livre para relativizar a ilegalidade cometida pelo Estado. Essa sujeição das pessoas perante o Estado (o qual deveria, em verdade, servi-las) é bem descrita na obra de Franz Kafka, “O Processo”, em que a dignidade e a própria natureza humana do acusado são destruídas por acusações de crimes que ele nem mesmo sabe quais são — e até se convence que é culpado, mesmo sem defesa nem acusação objetiva.
Em resumo, essa medida aumenta o poder estatal e o arbítrio do magistrado contra as garantias mínimas do estado de direito e do direito de defesa, introduzindo relativismos como “ponderação de interesses” e “justificação” para julgamento de nulidades. Uma vez o Judiciário estando infiltrado e instrumentalizado, as possibilidades de utilização desse poder para [01] perseguições políticas e mais condenações de inocentes através de “assassinatos de reputação”; assim como para [02] a utilização dessas políticas como meio de ampliar a arrecadação são infindáveis. A medida tem o objetivo de reduzir a segurança jurídica que é quase inexistente no brasil — admitindo os atos nulos e ilegais — para buscar aumento do número de condenações. Realmente, essa medida aumentará o número de condenações, em especial condenações indevidas, de inocentes, facilitando perseguições e expurgos.
As nulidades defendem a sociedade de abusos do governo. No sistema proposto, uma acusação — que nem mesmo precise conter os elementos legais mínimos — já constitui o acusado réu, sem defesa prévia e sem poder arguir nulidade sem julgamento subjetivo de “prejuízo”.
MEDIDA 08
A Medida 08 propõe a modificação da Lei nº 9.096/95 para prever a responsabilização objetiva dos partidos políticos em relação à sua contabilidade paralela (popularmente conhecida por “Caixa 2”), e à [2] prática de ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal, de fontes de recursos vedadas pela legislação eleitoral ou que não tenham sido contabilizados na forma exigida pela legislação. Também responderá o partido se utilizar, para fins eleitorais, bens, direitos ou valores provenientes de infração penal, de fontes de recursos vedadas pela legislação eleitoral ou que não tenham sido contabilizados na forma exigida pela legislação. A pena é de multa.
A medida pretende criminalizar o “caixa 2” (contabilidade paralela) e responsabilizar os partidos políticos pelas práticas de corrupção. Essa medida facilita a perpetuação da ditadura corrupta no poder em dois aspectos: primeiro, [01] reforça a política de limitação de doações privadas de campanha — para garantir que apenas os partidos que já fizeram o maior esquema de corrupção do mundo se perpetuem no poder (eliminando potencial concorrência); além de [02] estipular penalidade inferior a atual para partidos que se financiam com dinheiro sujo — vez que a punição atual é extinção (Lei 9.096/95 art. 28) e seria substituída por uma mera multa. Essa alteração, diminui a verdadeira gravidade do maior crime financeiro do PT (entre os que foram revelados até agora), o “Petrolão”.
Além disso, é importante ressaltar que a medida também cria uma armadilha para punir partidos opositores ao regime. A expressão jurídica “responsabilidade objetiva” significa “responsabilização sem culpa”. Isso quer dizer, por exemplo, que se um cidadão qualquer fizer uma doação para um partido e, mais tarde, prova-se que o dinheiro é originado de atividade ilegal, o partido passa a ser passível de punição. Essa é eminentemente uma arapuca armada como munição contra os partidos que esboçarem alguma oposição. Esse tipo de uso da legislação foi feito recentemente para tornar o presidente interino Michel Temer inelegível. A Lei brasileira prevê que o valor máximo que um cidadão pode doar a um partido corresponde a 10% de sua renda. Michel Temer doou ao PMDB o equivalente a 11,9% e, por conta disso, tornou-se ficha suja, enquanto não estava em posição de domínio da situação política.
Resumindo: a ideia aqui é corroborar o esforço no sentido de inviabilizar as doações privadas para financiamento de campanha, tornando o financiamento público a única alternativa viável. Cabe aqui lembrar que o financiamento público é um expediente típico de ditaduras, como Cuba e Coreia do Norte, algo que se presta a perenizar ditadores no poder e extrair mais recursos do Estado para alimentar o ativismo permanente – como dos sindicatos pelegos e MST, CUT e UNE. Se o objetivo fosse realmente o da redução dos estímulos à corrupção, a solução seria o financiamento de eleições feito de forma 100% privado, sem isenções fiscais. Assim, partidos parasitas de verbas partidárias, sem representatividade real, simplesmente deixariam de existir.
MEDIDA 09
A medida 09 propõe a criação da hipótese de prisão extraordinária para “permitir a identificação e a localização ou assegurar a devolução do produto e proveito do crime ou seu equivalente, ou para evitar que sejam utilizados para financiar a fuga ou a defesa do investigado ou acusado, quando as medidas cautelares reais forem ineficazes ou insuficientes ou enquanto estiverem sendo implementadas”. Além disso, também propõe mudanças para que o dinheiro sujo seja rastreado mais rapidamente, facilitando tanto as investigações como o bloqueio de bens obtidos ilicitamente.
A medida número 09 é duplamente imoral: primeiro, por usar violência para fazer expropriações; e, depois, por permitir acesso eletrônico de burocratas aos sistemas bancários sem prévia e especifica comunicação: ou seja, trata-se de mais uma medida que aumenta o poder de agentes estatais, aumenta as possibilidades de arbitrariedades, algo corriqueiro na relação do brasileiro com o estado, aumentam-se as possibilidades de perseguições e uso das políticas criminais para fins de arrecadação de um estado incapaz de prestar qualquer serviço útil à sociedade.
Sob muitos aspectos, a proposta viola garantias mínimas de direitos fundamentais relativos à privacidade, à propriedade e à liberdade; porém, o mais absurdo desta medida é a obrigação de todas as instituições financeiras manterem “setores especializados” em atender ordens de quebra de sigilos bancários que “deverão disponibilizar, em página da internet disponível a membros do Poder Judiciário, do Ministério Público e à Polícia Judiciária, telefones e nomes das pessoas responsáveis pelo atendimento às ordens previstas no caput, incluindo dados para contato pessoal em finais de semana e em qualquer horário do dia ou da noite” para prestar informações em 20 dias ou sofrer multas de até 10 milhões de reais. Essa norma inviabiliza a atividade de instituições financeiras de pequeno porte, eleva o custo dos serviços financeiros no país e facilita a obtenção de dados privados por terceiros (reduzindo as possibilidades de verificação de veracidade de solicitações dado o prazo fatal e a informação por e-mail). Importante notar que a medida não obriga o estado a uma contrapartida aos seus deveres na medida em que impõe sanções às instituições privadas. Não há punições nem multas – e muito menos a obrigatoriedade de criar setores especializados de atendimento com empregados em permanente sobreaviso, nas varas, para atender às instituições financeiras e à população, pelo menos para que estas instituições possam verificar a procedência de solicitações que eventualmente recebam. Não há perda do exercício da função por ato arbitrário, ato que usualmente destrói empresas e pessoas, seja de magistrados, seja de procuradores. Não há perda de receita por parte daquele que comete o ato arbitrário. Ao contrário, o abuso de autoridade é eliminado da equação “corrupção” como se fosse irrelevante, quando é o elemento central.
Na redação da justificativa da “prisão extraordinária”, escapa aos proponentes sua intenção stalinista de eliminar possibilidades de defesa, afirmando que a mesma “impede que o produto do crime seja utilizado para buscar a impunidade do infrator, seja dando-lhe meios de fuga, seja custeando sua defesa criminal”. É importante frisar que não se trata de prisão de condenado em definitivo e sim de réu ou mero acusado – que perderá o controle dos recursos em seu domínio, até mesmo para financiar a defesa que provaria sua origem lícita.
A justificativa também afirma que “não se trata de prisão por dívida”. Realmente! A “prisão extraordinária” é ainda mais ilegítima e imoral que a prisão por dívida, pois possibilita o cerceamento de liberdade com o objetivo de inviabilizar defesa e aumentar a arrecadação do Estado. Como as demais propostas, essa medida, se implementada, favorece o uso do Judiciário para arrecadação; assim como, tende a aumentar o número de condenações de inocentes e a corrupção de agentes públicos, dado seu aumento de poder discricionário.
MEDIDA 10
A medida 10 consiste de duas medidas. A primeira é a criação do confisco alargado, mediante introdução do art. 91-A no Código Penal. Em síntese, essa figura permite que se dê perdimento à diferença entre o patrimônio de origem comprovadamente lícita e o patrimônio total da pessoa que é condenada definitivamente pela prática de crimes graves e que ordinariamente geram grandes lucros, como crimes contra a Administração Pública e tráfico de drogas.
O instituto é similar ao praticado em muitos países, como Portugal, França, Itália, Alemanha, Reino Unido e EUA, segue diretrizes de tratados em que o Brasil é signatário. A segunda inovação, nesse campo, é a ação civil de extinção de domínio, nos moldes propostos pela Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Ativos (ENCCLA), em 2011. Há outros projetos em trâmite no Congresso Nacional com o mesmo objeto, mas optou-se pela proposta que foi consagrada em um foro de que participam dezenas de órgãos públicos, o que lhe confere ampla legitimidade. A ação de extinção de domínio permite dar perdimento a bens sem origem lícita (leia-se sem origem reconhecida por órgãos corruptos), independentemente da responsabilização do autor dos fatos ilícitos, que pode não ser punido por não ser descoberto, por falecer ou em decorrência de prescrição (ou, talvez, pelo acusado ser inocente).
Nessa medida, há confisco, uma sem condenação criminal, que resultou em abusos e arbitrariedades em todos os lugares em que foi aplicada, até mesmo nos países mais desenvolvidos, nos quais gente inocente foi humilhada, roubada, expropriada e detida, (vide http://goo.gl/YkMExU; http://goo.gl/87WxfA e http://goo.gl/VlwNBx) e a outra arbitrária, dada apenas pela consideração de pretensas diferenças patrimoniais pelo magistrado, em caso de condenação criminal.
Ora, é amplamente sabido que a economia informal, ou subterrânea, representa grande parte do PIB do país. Com a “medida” permite-se a expropriação de todos esses ativos e a destruição dessa riqueza pelo Estado, não apenas isso, sem comprovação de crime. Com aumentos sucessivos das regulações, tributações e perseguições estatais (conforme o modelo de Estado praticado pela esquerda), a tendência é o aumento da economia informal. Resulta que essa “medida” é mais um passo na direção de um Estado totalitário interventivo, que subjuga a sociedade.
Façamos um contraponto. No melhor estilo do modelo cubano, o abate não autorizado de gado para venda pode gerar até 18 anos de prisão, ainda que se faça necessário informar que, se o abate for realizado para consumo próprio, a pena é mais leve: “somente” 10 anos. Tendo em vista que a legislação cubana prevê pena de 15 anos em caso de homicídio, isso significa que a comercialização “ilegal” de carne de gado sem autorização formal do regime — mesmo que o gado pertença a quem está comercializando. Embora 50% das cabeças de gado da ilha pertença ao próprio Estado [Leia-se “famiglia Castro”], a outra metade por enquanto ainda está [ao menos em teoria] sob a posse de particulares, o que na maioria das vezes significa cooperativas. O comércio “ilegal” de carne de gado é um crime pior do que o de tirar uma vida humana.
O presidente da Assembleia Nacional do Poder Popular de Cuba (ANPP) entre 1993 a 2013 declarou, no exercício de sua função, que estava estudando aumentar a pena máxima para 30 anos, ao que Fidel Castro respondeu, em uma transmissão televisionada da Sessão Plenária do Poder Popular: “E se trinta não for suficiente que seja então aplicada a pena de morte”. Não é de se estranhar que a prática de canibalismo seja fato comum nas ditaduras comunistas — confirahttps://goo.gl/PTn3mw). Também em regimes como a Rússia bolchevique e a China maoísta, o aumento de patrimônio por vias não controladas pelo Estado possuía uma tipificação com penalidade superior à aplicada para o homicídio.
Isso dá a dimensão da mentalidade que inspira o MP a criar essa medida. A criminalização da vida cotidiana é um dado inerente ao estado e uma forma de expropriar bens da sociedade civil. Os projetos de poder aplicados nesses países, não apenas inviabiliza as atividades econômicas, como ameaça de expropriação bens obtidos por atividade informais — mesmo que não sejam criminosas. Além de expor feirantes, pequenos lavradores e prestadores informais de serviço — como engraxates — à situação de vulnerabilidade absoluta e permanente, todos os cidadãos ficam à mercê do Estado policial, com o civil asset forfeiture. Se alguém for parado na rua com uma bicicleta e não tiver prova de origem (como nota fiscal) o Estado poderá expropriá-la. Se alguém for parado em um aeroporto ou rodoviária com recursos em espécie sem prova documental de onde os obteve, perde da mesma forma (já houve casos de confisco de menos de 3000 dólares em espécie nos EUA sob a alegação, segundo os policiais, que o cidadão “parecia” um cafetão).
Conforme essa ordem de ideias, fortalece-se a inversão de quem deve ter o comportamento vinculado e quem deve ter o comportamento apenas com limitações negativas.
CONCLUSÃO
Tendo demonstrado que [01] a ditadura e seus burocratas (como o MPF) são ilegítimos para propor leis de combate à corrupção; [02] que a causa primária da corrupção é o aumento do Estado, seu intervencionismo e sua burocracia; [03] que a propaganda do governo é sistematicamente dirigida a seus próprios interesses ao afirmar objetivos e justificativas opostos aos reais efeitos de suas políticas; fica evidente que, se essas “10 medidas” forem aprovadas, os cidadãos serão transformados em servos submissos e permanentemente ameaçados pelo Estado e — pior — pelo governo. O MPF realizou um evento (29/06/2016) para homenagear “voluntários que ajudaram na coleta de assinaturas para aprovação das 10 medidas”, comemorando o fato da arrecadação de mais de 2 milhões de assinaturas em apenas 8 meses. Nessa ocasião, o procurador Deltan Dallagnol declarou, em entrevista à repórter Adriana Perroni, que “[a implementação das 10 medidas] faz de um projeto […] de empoderamento da sociedade”, algo absolutamente falso, pois não há empoderamento algum da sociedade: as 10 medidas foram milimetricamente calculadas para empoderar o MPF e reforçar ainda mais a mão de ferro com que a nomenklatura estatal criminaliza a sociedade. Tanto que jamais foi apresentado qualquer estudo pelo MPF ou por outro órgão estatal qualquer sobre a causa da elevada corrupção no brasil, nem sua devida caracterização.
Para que haja legalidade, a Lei deve estabelecer limites à ação do Estado. É o Estado que deve servir à sociedade, jamais o contrário. Em linguagem jurídica, poder-se-ia dizer que a transformação das “10 medidas” em Lei fará com que os comportamentos privados sejam estritamente “vinculados” (regulados e dependentes de autorização estrita em lei) e as ações de persecução, ao contrário, passarão a ser “discricionárias”, com fundamentação subjetiva e livres até mesmo para ignorar nulidades.
Fato é que o aumento da criminalização de qualquer atividade implica em aumento de crimes e de criminosos a serem perseguidos. Inobstante isso, no mundo real, os maiores criminosos e assassinos da História são os “Estados”, momentos que se apropriam de exceções em tese, criadas no momento em que são permitidos atos legislativos que, ao invés de servirem para limitar o Estado (contendo-o em seus limites próprios), prestam-se a ampliar a capacidade de oprimir o cidadão usualmente sob justificativas singelas e edulcorantes, como o do “combate à corrupção”.
Essas “10 medidas”, em verdade, instituem uma espécie de “monopólio da segregação da corrupção” segundo o grupo que as propõe visando anular a “concorrência”. Ou seja, ataca-se o poder do político estatal e aumenta-se o poder do procurador estatal. Efetivamente, é apenas uma transmissão de poder de um grupo a outro. Ocorre que os valores desviados por aqueles com “salvo conduto” para praticar a corrupção tende a aumentar pelo uso de vias alternativas, o que no final se reverterá em um aumento contínuo da corrupção no país na medida em que haverá um aumento da concentração de poder. Exemplo disso é o caso do esquema do ex-ministro petista e marido da senadora Gleisi Hoffmann, Paulo Bernardo. A intervenção providencial do advogado do PT, Dias Toffoli, revogou a ordem de prisão de Paulo Bernardo. Sob a égide de evitar fraudes e corrupção, todos os registros e controles de empréstimos consignados de servidores foram centralizados no Ministério do Planejamento petista, o que serviu de pretexto para a contratação de uma empresa que realizasse o processamento de dados, empresa que repassava como propina 70% da arrecadação, o que ao fim totalizou mais de R$100 milhões de reais. É importante lembrar que somente a menor parte desse dinheiro é usado para enriquecimento pessoal, a maior parte dele é usado para retro financiar os mesmos esquemas de poder que endossam as tais “10 medidas”, através da corrupção de eleições, do Judiciário e do Legislativo, entre outros artifícios.
ADENDO
A partir dos desdobramentos da chamada “Operação Lava Jato”, a imprensa passou a repetir um discurso de suposta moralização da esfera política, inobstante, nenhuma moralidade seja possível com o Poder Judiciário encabeçando as demandas. Explicamos: cabe ao Senado sabatinar e aprovar as indicações ao STF. Se os integrantes atuais do STF reconhecem a existência do Mensalão (se reconhecem que partidos recebiam dinheiro para coagir seus membros a aprovar projetos, pautas e demais agendas do governo — o que inclui suas indicações ao STF), ipso facto, eles reconhecem que foram sabatinados e aprovados por agentes apropriados por um grupo com interesse em suas nomeações. Logo, as sabatinas e as aprovações, ocorridas em um momento em que as decisões dos congressistas estavam comprometidas, não possuem valor, são NULAS. Se as aprovações são nulas, os cargos são ocupados indevidamente. São, no sentido mais fiel possível do termo, investimento ilícito (custo de oportunidade) em cargo estatal.
Pérsio Menezes (persiomenezes@gmail.com) é jornalista e autor do blog “Meu professor de História mentiu pra mim”; Renato Amoedo (supermestre@gmail.com) é perito, consultor, pesquisador, Mestre em Direito pela UFBA, pela Università di Bologna, pela Erasmus University Rotterdam e pela Universität Hamburg.