Este artigo exibe parte do trabalho de colaboração entre nazistas e soviéticos, entre NKVD e Gestapo, um em favor do outro, na permuta e realocação de judeus que acabaram em campos de concentração, assassinados.
Publicado originalmente: 11h28, 5 de janeiro de 2020
Autor: PAVEL POLYAN
FONTE ORIGINAL: https://novayagazeta.ru/articles/2020/01/05/83357-perepiska-tsenoyu-v-dva-milliona-zhizney
A tradução para o português foi realizada por VLADIMIR PERSHIN e por PAULO DEMCHUK.
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O Terceiro Reich propôs que a URSS realocasse judeus da Alemanha e Polônia para Birobidzhan e Ucrânia Ocidental, mas os mudou para Auschwitz e Treblinka.
Um documento impressionante é mantido no antigo arquivo do Partido comunista da URSS (agora RGASPI) (1). É uma carta do Chefe da Direção de Migração do Conselho de Comissários do Povo da URSS, E.M. Chekmenev ao Presidente do Conselho dos Comissários do Povo V.M. Molotov, em 9 de fevereiro de 1940.
Texto completo abaixo:
BX 3440
URSS
Administração de Migração da URSS
9 de fevereiro de 1940
No. 01471c
Moscou, Praça Vermelha, 3
Telegraph – Moscow Pereselencheskaya
Telefone K 0 95-03
Ao Presidente do Conselho dos Comissários do Povo
cam. MOLOTOV V.M.
O departamento de migração do Conselho de Comissários do Povo da URSS recebeu duas cartas dos escritórios de reassentamento de Berlim e Viena sobre a organização do reassentamento da população judaica da Alemanha para a URSS – especificamente para Birobidzhan e Ucrânia Ocidental.
Por acordo entre os governos da URSS e da Alemanha sobre a evacuação da população para o território da URSS, apenas ucranianos, bielorrussos, russos (2) e russos são evacuados.
Acreditamos que as propostas desses departamentos de reassentamento não podem ser aceitas.
Eu peço instruções.
Apêndice: em 6 folhas.
Chefe da Direcção de Migração do Conselho dos Comissários do Povo da URSS
CHEKMENEV
Carta de Chekmenev a Molotov. Fotos do arquivo
Ao mesmo tempo, os próprios nomes dos remetentes alemães da carta – se fossem nomeados na carta – far-me-ia estremecer. Se assumirmos que as cartas do “Departamento de Migração de Berlim e Viena” sobre a organização do reassentamento da população judaica da Alemanha para a URSS” foram assinadas por seus líderes, e eles chegaram a Chekmenev cerca de uma semana antes da carta ter sido enviada a Molotov, os remetentes não deveriam ter sido outros, como Adolf Eichmann, do Bureau de Berlim, e de Vienna, Franz Josef Huber. Este último sucedeu Franz Walter Shtalecker, o futuro carrasco dos judeus do Báltico (3), como inspetor da Polícia de Segurança e da SD em Viena, e foi responsável pela administração geral de várias organizações, incluindo o Departamento de Relocação. Após a partida de Eichmann de Viena para Berlim, o verdadeiro líder era seu ex-vice-SS Sturmbunführer Alois Brunner, nomeado oficialmente para esse cargo em janeiro de 1941. Porém, acima de todos eles havia uma sombra espessa do lider da RSHA e do protetor da Boêmia e Morávia, Reinhard Heydrich.
O primeira a esquerda da segunda fila é Evgeny Mikhailovich Chekmenev. Fotos do arquivo
Mas o nome do correspondente em Moscou – Yevgeny Mikhailovich Chekmenev – pouco diz até para os historiadores russos. Ele nasceu em 1905 e morreu em 21 de abril de 1963. Desde 1927 no Partido, ele se formou na Academia de Agricultura Socialista de Moscou e no Instituto do Professores Vermelhos, desde 1938, ocupava posições importantes de nomenclatura soviética. De junho de 1939 a abril de 1941, Chekmenev gerenciava o movimento de reassentamento, sendo chefe e presidente do Conselho do Comitê de Migração (mais tarde o Conselho de Migração) do Conselho dos Comissários do Povo da URSS. Desde abril de 1941, Chekmenev era vice-comissário de agricultura da URSS e, desde 1948, era o chefe da Direção Principal de Florestação de Proteção Florestal e, aparentemente, o vice-ministro de fazendas estatais da URSS. Mais tarde – vice-presidente da Comissão de Planejamento do Estado da URSS e, desde 1961, vice-presidente do Comitê de Estoques.
O Conselho de Migração, que recebeu uma solicitação de Berlim e Viena, foi de fato o destinatário mais correto para Eichmann e seus colegas. Era órgão soviético responsável pelo planejamento e organização das realocações planejadas do estado, realizadas principalmente de forma voluntária. Nisso, diferia da Diretoria Principal de Campos de Concentração da NKVD (GULAG), responsável pela realocação forçada (deportação) de condenados e prisioneiros, e do Departamento de Assentamentos Especiais da NKVD, responsável pelas deportações extra-judiciais.
Infelizmente, nem o “Suplemento em 6 folhas” (que são provavelmente as cartas originais da Alemanha e suas traduções), nem outros materiais relacionados foram encontrados até agora – nem nos arquivos russos nem nos alemães.
No entanto, Chekmenev transmitiu a essência das cartas alemãs com clareza:
Hitler propõe a Stalin (4) tomar para si todos os judeus que estavam naquele momento sob o domínio alemão.
Além dessa pergunta, o documento contém também uma resposta igualmente sucinta: agradecemos pela oferta tentadora, mas desculpe, não podemos ficar com os seus judeus!
Para entender melhor a pergunta e a resposta, tentemos examinar as cartas de Berlim e Viena de pelo menos três pontos de vista diferentes – da perspectiva do remetente, da perspectiva do destinatário e da perspectiva de seu relacionamento no momento em que as cartas foram preparadas e escritas.
Trotsky dizendo que Hitler e Stálin eram associados: https://youtu.be/G1OZYoxaJ2Y
ATIVIDADES DE EICHMANN
O principal motor de toda a intriga era, provavelmente, Eichmann.
Desde 1 de outubro de 1934, ele serviu na Direção Geral da SD, em Referat II 112 (“Referat Juden”). Neste departamento judaico (mais precisamente, anti-judaico), ele estimulava a emigração judaica da Alemanha, estudava hebraico e ídiche, conhecia os líderes sionistas. Em 1938, logo após a Anschluss da Áustria em março, foi transferido dentro do mesmo Referat anti-judaico II 112 para Viena, para o Escritório do Chefe da SD no departamento regional da SS “Danúbio”, cujo chefe era o Inspetor de Polícia de Segurança e SS Standartenfuhrer Dr. Stalecker.
Adolf Eichmann. Fotos do arquivo
Na época, a emigração judaica de Viena enfrentava dificuldades imprevistas de uma ordem burocrática: os judeus, em cuja emigração o estado estava tão interessado, ficaram em filas por semanas. Um dos motivos era a prioridade burocrática dada aos judeus ricos, que usavam advogados alemães bem conectados e pagavam a eles um bom dinheiro, algo inacessível para os pobres. O socialmente (e não apenas nacionalmente!) sensível Eichmann “defendeu” os judeus pobres e estabeleceu, na medida do possível, a “justiça” na fila de expulsão da pátria. A documentação necessária custava cerca de 1.000 Reichsmarks e demorava de 2 a 3 meses.
Em 20 de agosto de 1938, foi criado em Viena o Centro da Emigração Judaica (“Zentralstelle für Jüdische Auswanderung”), um órgão especial do Ministério Imperial do Interior, projetado para regulamentar de maneira abrangente (no sentido de acelerar) a emigração de judeus austríacos e autorizando a emiti-los permissão para sair. A competência do Centro, localizada em um local bem simbólico – o antigo palácio Rothschild em Prinz-Eugen-Str. 22 – incluia a criação de todas as condições necessárias para a emigração, como negociações com os países receptores, fornecendo aos emigrantes as quantias necessárias em moeda, interação com agências de viagens e transporte envolvidas na solução de problemas técnicos da emigração, monitoramento das organizações judaicas pelo ponto de vista de sua atitude em relação à política de emigração de judeus, publicação de instruções correspondentes e gerenciamento desse processo. O líder nominal do Centro era Stalecker e seu vice e gerente Untersturmfuhrer da SS Eichmann, seu verdadeiro organizador e chefe.
Inicialmente, a autoridade do Centro era limitada a apenas dois hau (províncias), Viena e o Baixo Danúbio. No entanto, no final de 1938, suas competências foram estendidas a toda a Áustria (Ostmark). Com a simplificação das transferências de moeda e o envolvimento da comunidade judaica de Viena na preparação dos documentos necessários, o tempo de processamento dos pedidos foi reduzido para oito dias. Com know-how característico de Eichmann era o princípio do autofinanciamento do Centro: ele era mantido devido a um imposto especial sobre emigração cobrado na saída dos judeus. Como resultado,
nos primeiros 2,5 meses de atividade, o Centro mandou 25 mil judeus para fora da Áustria,
e durante um ano e meio de sua existência, cerca de 150 mil judeus austríacos foram forçados a deixar o país com a ajuda do Centro. Organizações semelhantes ao Centro de Viena também foram estabelecidas em Praga e Ostrava.
No início de novembro de 1938, poucos dias antes da Kristallnacht (9 a 10 de novembro), Eichmann enviou um relatório sobre as atividades do Centro ao SS Sturmbunführer Erlinger em Berlim, no qual, em particular, lembrou sua sugestão feita no início de 1938 para organizar um órgão similar no nível do império inteiro. Os eventos de Kristallnacht adicionaram novos aspectos ao problemática judáica, portanto não parece surpreendente a decisão de Heydrich de convocar no sábado, 12 de novembro, uma reunião na RSHA dedicada ao desenvolvimento da estratégia do Reich na questão judaica. Nesta reunião, Goering, em nome de Hitler, enfatizou as perspectivas do “Plano Madagascar” (veja abaixo), e Eichmann relatou sua experiência em Viena, e defendeu a necessedade de abrir um centro semelhante a Viena em Berlim.
Apesar dos pogroms (ataques maciços) após Kristallnacht, a “solução final para a questão judaica” na época era pensada em termos de emigração e não de liquidação. Citando declínio mais que duplo na dinâmica dos pedidos de emigração, Eichmann, com certo entusiasmo, chegou ao ponto de sugerir, em meados de fevereiro de 1939, libertar todos os judeus austríacos presos depois de 9 de novembro de 1938, em Dachau e Buchenwald, e enviá-los para longe no exterior. Proposta que, no entanto, não encontrou entendimento na SS.
Manhã depois da Kristallnacht em Berlim. Foto: Friedrich, H., arquivo federal alemão
Apesar da resistência à imigração judaica do Reich para os países recepientes, as taxas de emigração no início de 1939 eram bastante altas. Isso foi alcançado, em parte, graças às viagens internacionais dos líderes da comunidade judaica de Viena e do Departamento Palestino (este último lutava para que a metade da cota para entrada legal na Palestina fosse da Áustria), a criação dos chamados “transportes chineses” e as atividades de reciclagem profissional de emigrantes, preparando-os para a vida na Terra Prometida. Os “transportes chineses” serviram, até onde se pode julgar, apenas parcialmente para mudança para Xangai, mas principalmente para imigração ilegal na Palestina.
Porém, passou um certo tempo antes que o órgão promovido por Eichmann fosse realmente organizado por Heydrich em Berlim. Isso aconteceu no dia seguinte depois de Hitler proferir no Reichstag, em 30 de janeiro de 1939, duras palavras sobre o comportamento das democracias, que derramavam lágrimas sobre o destino dos infelizes judeus alemães e, simultaneamente, lhes negavam os documentos de entrada. Oito dias depois, Alfred Rosenberg fez provocações semelhantes, diante um público chocado formado por diplomatos e jornalistas estrangeiros:
ele exigiu que a Inglaterra, a França e a Holanda criassem uma reserva judaica de 15 milhões de pessoas em algum lugar de Madagascar, Guiana ou Alasca.
A nova organização foi chamada de “Centro Imperial de Emigração Judaica” (Reichszentrale für Jüdische Auswanderung). Tendo sido nomeado para liderá-lo desde 1º de outubro de 1939, Eichmann deixa Viena e volta a Berlim. Aqui, juntamente com os problemas da emigração, ele prossegue com o planejamento do reassentamento forçado de judeus no recém-criado (12 de outubro) Governo Geral das regiões polonesas ocupadas (5), bem como para dentro e, se necessário, fora dele. Em 21 de dezembro de 1939, Heydrich nomeou Eichmann o chefe do Referat especial IV D 4 (Referat Auswanderung und Räumung) na RSHA, criado para coordenar todo o reassentamento de judeus e poloneses no território polonês ocupado. Como resultado, Eichmann tornou-se uma verdadeira figura chave, não apenas no desenvolvimento do conceito, mas também na implementação de todos os projetos para “resolver a questão judaica”.
Seu resultado final seria a organização de campos de trânsito nos países da Europa Ocidental e uma ampla rede de guetos em junções ferroviários nas regiões ocupadas do Leste, e a concentração de milhões de judeus neles, com subsequente deportação para campos de concentração e campos de extermínio. Como homem prático, Eichmann ainda tem muito para refletir, aprender, propor e melhorar. O conhecimento no campo do judaismo e da hebraística precisa ser complementado com informações da química e fisiologia humanas que ajudem a encontrar a solução certa ao responder, por exemplo, a uma pergunta tão difícil como: qual dos gases asfixiados produzidos pela indústria é mais eficaz e econômico na eliminação de quais porções de material humano. E aqueles que o consideram ele um mero burocrata, um rato de gabinete, estão profundamente equivocados: suas viagens de negócios aos guetos e campos de concentração provam o contrário.
Campos de concentração soviéticos e nazistas: https://youtu.be/G1OZYoxaJ2Y
A primeira foto é um campo nazista, com o famoso : O trabalho liberta (“Arbeit macht frei”).
Na segunda, Virkuta, década de 1940: “O trabalho na URSS é o assunto de honra e fama”.
Os campos de concentração nazistas foram desenvolvidos com apoio soviético.
“OPERAÇÃO NISKO”
A primeira ação de Eichmann em Berlim foi a chamada Operação Nisko. Após a ocupação da Polônia em setembro de 1939, quase quatro vezes mais judeus estavam em mãos alemãs que na Alemanha antes dos nazistas chegarem ao poder – cerca de 2 milhões de pessoas. Cerca de um quarto deles vivia em terras incorporadas diretamente ao Reich (dois recém-construídos Reichsgau – Danzig-West Prussia e Wartegau, que incorporavam o território anexo do oeste da Polônia com seu centro em Posen e no leste da Alta Silésia). As deportações e a limpeza dos territórios da população judaica pareciam ser uma tarefa necessária e urgente. Mas surgiu a questão: para onde? Onde ficaria este lugar tranquilo, remoto e não destinado a “germanização”? Onde será recriada a zona de assentamento judeu na versão alemã? (6)
Durante o mês de setembro, a resposta a essa pergunta estava sendo buscada no futuro Governo Geral: foram discutidas as idéias de um “estado judeu” perto de Cracóvia ou do “gueto imperial” em Lublin ou próximo de Lublin. Já em meados de setembro de 1939, rumores correspondentes se espalharam entre a população judaica da antiga Polônia, e até vazaram para a imprensa. No final de setembro, Hitler falou várias vezes sobre o desejo de reinstalar todos os judeus, inclusive os alemães, em algum lugar da Polônia, entre o Vístula e o Bug.
Portanto, não era surpreendente que Eichmann e Stalecker, sob instruções do chefe da Gestapo, Heinrich Müller, datassem em 6 de outubro para a deportação dos judeus de Viena, Katowice e Ostrava, partissem em 12 de outubro para uma viagem de três dias na zona, ainda controlada temporariamente pelo Exercito Vermelho, e optaram por um espaço de 20 mil metros quadrados entre o Vístula, o Bug e San com a capital em Lublin.
O bairro judeu de Lublin (1940). Foto: wikipedia.org
Segundo eles, todos os judeus de toda a Europa, mas principalmente da Alemanha, Áustria, antiga Tchecoslováquia e Polônia, deveriam ser levados para essa reserva. Assim, foi concebido o componente mais importante do plano estratégico para uma reestruturação etno-estrutural radical da Europa Oriental, na forma de sua germanização. Em 7 de outubro de 1939, o Führer nomeou Himmler, o Reichskommissar, para fortalecer a nacionalidade alemã: nessa capacidade, ele também era responsável pela deportação de poloneses de áreas destinadas à arianização contínua (por exemplo, de Danzig e Wartegau). Os poloneses deveriam ser parcialmente realocados para as áreas isentas dos judeus, de modo que a conexão de todos esses esforços com o que Eichmann estava fazendo nas proximidades era a mais direta.
Na verdade, a deportação de judeus começou sem qualquer acúmulo – em 9 de outubro de 1939, foi emitida uma ordem de deportação de Ostrava-Moravian e Katowice, e em 10 de outubro – sobre deportação de Viena. Os judeus foram forçados a assinar declarações que supostamente se mudariam voluntariamente para um “campo de reciclagem” (7). As estações de partida foram Viena, Ostrava-Moravska e Katowice, além de Praga e Sosnowice, e as estações de chegada foram o principal campo de Nisko no rio San, além de um campo intermediário na vila de Zarečie, na margem oposta. Ambos os campos não estavam longe da fronteira soviética e alguns judeus conseguiram escapar para a URSS.
A construção da antiga estação ferroviária em Nisko, Polônia. Foto: stalowipatrioci.pl
O primeiro trem com 875 judeus foi montado em 17 de outubro de 1939 e enviado de Ostrava, no caminho, em 20 de outubro, pegando parte dos judeus em Katowice e chegando em Nisko no mesmo dia. No total, de 17 a 18 de outubro a 29 de outubro, seis trens chegaram a Nisko com um número total de 4-5 mil pessoas.
Foi permitido levar até 50 kg de bagagem que foi colocada na rede de transporte acima do local ocupado. Dispositivos e ferramentas podem ser despachados na bagagem. Foram permitidos: 2 fardos quentes, casaco de inverno, capa de chuva, 2 pares de botas, 2 pares de roupas íntimas, cachecóis, meias, fato de trabalho, lâmpada de álcool, querosene, talheres, faca, tesoura, lanterna com bateria sobressalente, castiçal, fósforos, fios , agulhas, talco, mochila, garrafa térmica, comida. Dinheiro – não mais que 200 Reichsmarks. A isenção de reassentamento foi possível devido a doença (oficialmente certificada) ou com documentos que confirmam a emigração para outro país (8).
Parece que a reserva de Nisko-on-Sana tem um grande futuro! Enquanto isso, as deportações foram interrompidas em 27 de outubro, principalmente devido aos protestos do governador geral Hans Frank, que acabara de ser nomeado para o cargo e queria tornar sua propriedade inteira “Judenfrey” (“livre de judeus”). Ao mesmo tempo, o próprio campo de Nisko não foi fechado até junho de 1940, quando todos os seus habitantes foram devolvidos às cidades de onde foram trazidos.
Então: a autoridade departamental, mesmo a SS, perdeu para a autoridade territorial? Dificilmente – não importa o que Frank diga a si mesmo lá. Antes, as partes conflitantes eram dois ramos interdepartamentais do governo ou, mais precisamente, dois complementares, mas ao mesmo tempo competindo entre si pelos “projetos” do Terceiro Reich e pela emigração judaica e imigração alemã.
Os interesses da emigração judaica colidiram diretamente com os interesses da imigração alemã:
os primeiros navios de Riga e Revel chegaram a Danzig quase nos mesmos dias que os primeiros judeus vienenses em Nisko, na segunda metade da segunda década de outubro. Um total de cerca de 200 mil Volksdeutsche estava planejado ser transferido para o Wartegau do Báltico e do Volyn, mas o próprio Wartegau teve que ser rapidamente liberado dos judeus e poloneses. Inicialmente, tratava-se da necessidade de reinstalar 80 a 90 mil judeus e poloneses a partir de lá antes do final de 1940, e depois cerca de 160 mil a mais poloneses.
Porém, não havia força suficiente para tudo e a prioridade foi dada precisamente à tarefa de imigração, apoiada por mais um fator: já no final de outubro a URSS enviou suas tropas para os países bálticos, e a Alemanha, com nenhuma outra, sabia firmemente o que se seguiria: anexação.
CONFRATERNIZAÇÃO ENTRE NAZISTAS E SOVIÉTICOS
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Foto 1: Ribbentrop e Molotov.
Foto 2: Hitler confraternizando com soviéticos.
Foto 3: Exército nazista e soviético lado a lado.
Foto 4: Soldado soviético cumprimentando soldado nazista com gesto nazista.
Fonte:https://youtu.be/G1OZYoxaJ2Y
“PLANO MADAGASCAR”
Outro fator sério foi a nova idéia de conseguir uma reserva judaica – o chamado “Plano de Madagascar”. Por si só, essa ilha exótica como local de possível assentamento judaico apareceu pela primeira vez no início do século, em círculos puramente judaicos-sionistas. O primeiro país a levantar a questão da população judaica que emigrou para cá, no entanto, não foi a Alemanha, mas a Polônia, em 1937, tendo enviado uma comissão polaco-judaica especial para a ilha. No entanto, os membros judeus da comissão depois de visitar Madagascar reagiram a essa ideia sarcasticamente.
Mas a idéia em si “não desapareceu” em 1938–1939, especialmente após a conferência internacional sobre o destino global dos refugiados judeus, convocada por iniciativa dos Estados Unidos e realizada no resort francês de Evian, de 5 a 16 de julho de 1938. A conferência terminou em quase total fracasso – sob os sorrisos sarcásticos da imprensa alemã.
Apenas um país – a República Dominicana – expressou vontade de aceitar judeus, e a Grã-Bretanha os convidou a reinstalar sua colônia na África Oriental – Uganda (e por que é melhor que Madagascar?). O único resultado foi a criação do Comitê Intergovernamental para Refugiados que, posteriormente, negociou com a Alemanha e com os países anfitriões.
Mapa da ilha de Madagascar (1922). Fotos do arquivo
Após o fracasso da conferência, os nazistas adotaram essa idéia. Considerou-se o “Plano de Madagascar” o meio menos doloroso de “neutralizar” a Europa, e a Guiana Britânica e a antiga África Ocidental do Sudoeste da Alemanha também foram discutidas como uma possível “alternativa” ao Madagascar francês. Em dezembro de 1939, o ministro das Relações Exteriores alemão von Ribbentrop apresentou ao Papa um plano de paz, que incluía, entre outras coisas, a emigração de judeus alemães: Palestina, Etiópia e Madagascar eram considerados países de imigração a esse respeito. As cotações de Madagascar aumentaram particularmente após a derrota infligida pela Alemanha à França: o vencedor exigiu um mandato para governar Madagascar (9).
No início de junho de 1940, o chefe do departamento judeu de Auswärtiges Amt, Dr. Franz Rademacher, apresentou um plano segundo o qual 25 mil franceses seriam deixados numa ilha tropical, a Alemanha organizaria bases navais e aéreas e 4 a 5 seriam levados para a parte desocupada de Madagascar milhões de judeus que se envolverão em atividades agrícolas sob a supervisão de um policial nomeado pelo governador nomeado por Himmler.
No entanto, Madagascar era um projeto completamente canibalista: essa “ilha paradisíaca” em termos climáticos não se parecia muito com o paraíso para os judeus europeus e, muito provavelmente, não poderiam ser aclimatados lá.
Esse plano foi seriamente abandonado apenas no início do outono de 1940 (10), quando Hitler decidiu atacar a URSS.
PROJETO BIROBIDZHAN
As cartas de Eichmann e Shtalekker a Chekmenev documentam o projeto até então completamente desconhecido de “resolver a questão judaica” – por meio da emigração, evacuação ou deportação (como chama) de judeus da Alemanha-Áustria, República Tcheca e Polonesa na URSS. Se datar a origem e a discussão da idéia em dezembro de 1939 – janeiro de 1940 e as cartas enviadas (aparentemente via correio diplomático) – no final de janeiro de 1940, o rascunho russo Eichmann (vamos chamá-lo, puramente condicionalmente, de “Projeto Birobidzhan”) está diretamente entre os epicentros de outros dois grandes projetos de deportação – o Nisko Experiment e o Madagascar Plan.
Governador Geral da Polônia Ocupada Hans Frank. Foto: wikipedia.org
Há razões para acreditar que, como no caso de Nisko, foi, se não improvisação, uma iniciativa puramente departamental da RSHA. Caso contrário, o governador-geral Frank estaria pelo menos ciente de tais planos promissores e, aparentemente, não sabia nada sobre uma perspectiva tão brilhante de deportação. De qualquer forma, em sua análise geral das próximas campanhas de reassentamento em massa no Governador Geral, ele nunca mencionou.
Em cada um dos três projetos, os alemães foram motivados por uma ou outra esperança específica: no projeto Birobidzhan, provavelmente a esperança de uma Internacional “Judeu-Bolchevique” e também, possivelmente, o acerto de contas sobre a inevitável decepção do lado soviético com os resultados do recrutamento para se mudar para a URSS entre refugiados ucranianos e bielorrussos.
No início de 1940, os alemães tinham uma enorme população judaica em suas mãos – de 350 a 400 mil pessoas no próprio Reich (incluindo judeus austríacos e judeus da República Tcheca e Morávia), além de mais de 1,8 milhão de pessoas em geral nos antigos territórios poloneses. Em essência, é precisamente sobre eles que a carta diz ao camarada Chekmenev. Livrar-se deles era um sonho psicopata e o objetivo político de Hitler.
Porém, esse presente foi desejado por Stalin? Um presente de 2,2 milhões de judeus – pessoas com psiqué pequeno burguesa? Mesmo com cem mil e quinhentos judeus poloneses, o estado havia sofrido muito – enviando-os para mineração de turfa ou deportação! E quem sabe, não seriam espiões alemães, o espião do país, que deveria ser defendido exclusivamente em seu território, escondido sob o disfarce desse lojista ou desse alfaiate?
Não, o coração de um tirano internacionalista, cheio de amor de classe pelo proletariado e cercando a desconfiança anti-semitista mesmo dos “seus” judeus, simplesmente não suportava esse “presente”!
Se eles pudessem viver livremente em todo o país, quanto esforço, energia e custo seriam necessários para o serviço operacional da KGB?
E não os envie todos ao Gulag ou a um assentamento especial, como feito em relação a várias dezenas de milhares de refugiados judeus da Polônia?
Se os reinstalar no oeste da Ucrânia, como sugeriram os alemães, onde existiam quase 1,4 milhão de judeus poloneses “capturados”! Onde colocá-los, dada a provável importância estratégica desta região em um futuro próximo?
E se os enviar para a reserva de Birobidzhan-on-Amur, como também sugeriram os ingênuos alemães, ela foi projetada para apenas algumas centenas de milhares de pessoas e sua infraestrutura, mas não é capaz de digerir mais de 15 mil judeus por ano!
Foi programada a recusa da URSS a uma oferta tão lisonjeira da Alemanha. As considerações puramente formais dadas por Chekmenev são essencialmente ridículas e até um pouco astutas (não há “Rusyns” no texto do acordo). Também nada estava vinculado aos acordos existentes – com desejo mútuo, era fácil concluir um novo acordo. Os verdadeiros motivos da recusa estavam, antes, no outro – na espionagem patológica do regime de Stalin, numa atitude desconfiada em relação à massa judaica burguesa de classe dos países capitalistas, bem como na escala colossal da imigração proposta por Berlim.
Joseph Stalin e Vyacheslav Molotov. Fotos do arquivo
Não sei se Molotov e Stalin estavam plenamente conscientes das consequências para os judeus europeus que sua recusa acabaria sendo. Stalin, que decidirá em um mês destruir os oficiais poloneses, e Molotov, na época, não apenas o presidente do Conselho de Comissários do Povo, mas também o comissário do povo dos Negócios Estrangeiros, poderiam muito bem ter descoberto o que lhes poderia acontecer em guetos e campos de concentração quando a deportação de rotina não resolvesse mais todo o problema.
Pelo menos outro diplomata soviético – F.F. Raskolnikov (ex-embaixador na Bulgária e um desertor imigrante) entendeu perfeitamente as consequências dessa recusa. Desde setembro de 1939, ele se dirigiu a Stalin com uma carta verdadeiramente profética e aberta: “Trabalhadores judeus, intelectuais, artesãos que fogem da barbárie fascista, você concedeu indiferentemente a morte ao bater as portas do nosso país na frente deles, que em suas vastas extensões podem abrigar muitos milhares de emigrantes”.
A maneira mais fácil seria responder ao documento descoberto com uma exclamação como: “Ah, acontece que os judeus da Alemanha, Áustria e Polônia poderiam ser salvos! Hitler os ofereceu a Stalin, mas esse bastardo não concordou, não salvou, deixou-os em perdição!
Pensar assim seria uma grande simplificação da situação. A URSS perseguiu seus próprios interesses, cuja realização a chegada em massa de judeus só poderia impedir. E Stalin não seria Stalin se fosse guiado por imperativos morais probabilísticos ou simplesmente bicasse na vara de pescar de Hitler e removesse essa “dor de cabeça” dele.
Não só isso: a URSS que foi praticamente o único país que recebeu um número significativo de refugiados judeus daquela parte da Polônia ocupada pelos alemães em setembro de 1939. Aqueles que foram deportados para o leste contra sua vontade em junho de 1940 (contingente de “refugiados”) estavam novamente involuntária e completamente a salvo da invasão mortal alemã um ano depois.
Tendo sido recusado (ou, o que é mais provável, não ter recebido nenhuma resposta de Moscou (11)), Eichmann dificilmente ficou chateado. Acostumado a estudar e conhecer seu inimigo, estava pronto para isso.
Mas uma série de fracassos com uma solução territorial para a questão judaica – Nisko, Birobidzhan, Madagascar – certamente o levou a procurar e pensar em outras maneiras – extraterritoriais, muito mais radicais e absolutamente confiáveis.
Execução em vez de expulsão, fornos a gás em vez de guetos, fios e pedreiras em vez de campos, valas comuns em vez de Madagascar ou Extremo Oriente.
Sim, a questão permaneceu em aberto. Mas não por muito tempo – um ano e meio.
Sua decisão posterior e outra – assassinato do povo – como se sabe, entrou para a história sob o terrível nome do Holocausto, ou Shoa.
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- RGASPI. F.82 (V.M. Molotov). Op. 2. D.489. L.1 O original. No topo, há uma ninhada, presumivelmente, do destinatário: “Arch”. Ou seja: “To the archive”.
- Rusyns – um grupo da população eslava oriental que vive na Transcarpácia, no leste da Eslováquia e no sudeste da Polônia. Alguns Rusyns se consideram um grupo étnico separado, alguns como um grupo étnico dentro da nação ucraniana.
- O Brigadeführer SS Stalecker foi o primeiro comandante do Einsatzgruppe A, operando na retaguarda do Grupo de Exército Nord (ele morreu nas mãos dos guerrilheiros em 23 de março de 1942).
- É impossível imaginar que Heydrich e Molotov ajam neste caso de maneira absolutamente independente, sem coordenação, respectivamente, com Hitler e Stalin, dos quais ambos estavam a uma distância muito curta.
- A partir de julho de 1940, essa designação foi reduzida para simplesmente “Governador Geral”. Consistia em quatro distritos – Cracóvia, Varsóvia, Radom e Lublin. Em 26 de outubro de 1939, Hans Frank foi nomeado governador-geral.
- É claro que a expulsão de judeus para além dos limites da linha de demarcação com a URSS foi bem-vinda em todos os aspectos, mas a URSS tinha sua própria política.
- Segundo Friedman, os judeus vienenses foram forçados a assinar um “Memorando de Mudança para Províncias Polonesas” para fins de atividades de colonização (Friedman, 1989. P.710).
- É interessante que os planos nazistas tenham encontrado “apoio” entre alguns dos emigrantes russos na Alemanha, em particular o Sindicato Nacional do Trabalho (veja: D. Zaborovsky. Experiência em resolver a questão judaica. // Para a pátria, 1939. No. 95, 15 de dezembro )
- É à luz das esperanças desse plano que a deportação da população judaica de Baden e do Palatinado não deve ser levada a nenhum outro lugar, mas ao sul da França.
- No entanto, o “Plano de Madagascar” foi lembrado várias vezes no topo para fins de propaganda até 1943. A própria ilha foi ocupada pela Grã-Bretanha em maio de 1942.
- Uma carta de Eichmann a Chekmenev foi enviada ao arquivo sem respondê-la: na história da diplomacia soviética, é uma prática bastante comum.
FONTE: https://novayagazeta.ru/articles/2020/01/05/83357-perepiska-tsenoyu-v-dva-milliona-zhizney