por SAMMI NEVES
O jornalista, professor de línguas e membro do clube de debates de El Camino Real, Sammi Neves, entrevista o cidadão catalão Alexandre Neves, trata de política e cultura da Catalunha, bem como quando uma secessão é válida.
É raro achar um país que não tenha pelo menos um movimento separatista, somente na Europa existem mais de 50, mas parece que muitos aderentes desses movimentos não estão aptos para justificar os motivos de por que eles desejam tanto isso. Alguns alegam o desejo de viver num território menor, e nada além disso.
Uma secessão presume razões culturais, políticas ou econômicas, e esse conflito normalmente deve durar décadas. Quando duas regiões divergem nesses aspectos, a secessão pode ser justificável.
Por exemplo, na Califórnia, um estado de maioria democrata, foi criado um movimento secessionista após a eleição do presidente Donald Trump, que visava separar a California do resto dos Estados Unidos. Assim como a maioria dos californianos, fomos contra esse movimento pelo simples motivo que não haviam justificativas. Segundo nosso ponto de vista, uma secessão só é válida quando houver divergências culturais ou políticas por décadas, e não por causa de um único resultado eleitoral contrário. A secessão californiana almejava uma solução perene para um problema temporário.
No Brasil a situação é completamente diferente; existem claras diferenças culturais e políticas entre certas regiões do país. Por exemplo, a região Sul tem uma cultura formada por imigrantes europeus, enquanto o Nordeste sofre fortes influências da cultura africana. Não só isso, ideologias políticas são completamente diferentes. Enquanto o Sul é mais conservador ou liberal, o Norte e Nordeste aceitam com mais passividade o voto em políticos corruptos e socialistas, aceitam a criação de programas sociais e serem sustentados por eles. Como no Brasil infelizmente não existe colégio eleitoral, e como o país é dominado pelo poder de uma única cidade, Brasília, a vontade de boa parcela da população, algo em torno de mais de 30 milhões de pessoas acaba por se tornar irrelevante.
Quando as regiões nem sequer falam a mesma língua e têm culturas distintas, os argumentos a favor ficam muito mais defensáveis, pois embora isso promova a diversidade no país, também destrói completamente a identidade nacional.
E sobre a Espanha? Temos um enorme carinho pela Espanha, pois sou descendente de espanhóis, nunca vivi lá (embora deseje), por isso esta entrevista, para que quem nunca viveu na região possa entender melhor o que acontece lá. Deixo essa reflexão pra vocês.
– SAMMI NEVES: Comece nos contando um pouco da sua vida pessoal; em qual cidade exatamente você morava?
– ALEXANDRE NEVES: Eu moro em Barcelona, a cidade mais importante da região, desde 1997. A decisão de vir para Barcelona foi porque minha mulher queria se mudar para sua cidade natal, e eu achei que também era uma boa oportunidade.
– SN: Você considera a Catalunha melhor que as outras regiões da Espanha?
– AN: Pessoalmente, eu não acho, mas em parâmetros econômicos, sim, é a melhor. PIB 211 bi € que situa a Catalunha em primero lugar entre as comunidades autónomas da Espanha. PIB per capita que é um bom indicador da qualidade de vida em 2016 foi de 28 590€ per capita (quarto lugar entre as comuidades autónomas) em comparação a 24 100€ per capita que é a media nacional da Espanha. (1)
– SN: Você acha que a cultura catalã difere da cultura espanhola? Eles tem uma outra identidade?
– AN: A cultura catalã é similar à da Espanha, mas eles têm suas tradições próprias como o… caganer (cagão), como figura tradicional no Natal (2). No entanto, são poucas diferenças, assim como em todos os outros países existem diferentes tradições em diferentes estados/regiões. A diferença realmente vem da língua Catalã, que é a lingua que as pessoas aqui nascidas preferem se comunicar, mas o Espanhol é utilizado lado a lado. No fundo são para mim como o resto da Espanha.
– SN: Você já notava que os catalães desejavam independência há muito tempo? Já haviam sentimentos nacionalistas desde aquela época ou é algo que surgiu nos últimos anos?
– AN: Durante os primeiros anos que morei aqui haviam, de vez em quando, comentários sobre isto. Havia um movimento chamado Terra LLiure (terra livre) que queria a independência da Catalunha, porém a independência não era muito comentada em meios de comunicação.
– SN: Nos explique melhor sobre o conflito linguístico na região; qual idioma é predominante? Haviam catalães que não sabiam ou se recusavam a falar espanhol? Você acha que os dois podem ser considerados idiomas diferentes?
– AN: A Catalunha não é o melhor lugar para aprender espanhol, já que grande parte dos anúncios nas ruas e outdoors são em catalão, o que faz que um acaba se confundindo com os idiomas a princípio. O catalão é um idioma em si. Considerado como tal e predominante na região. E é o primeiro idioma. Nas escolas públicas o idioma catalão é o idioma utilizado nas salas de aula. Salvo quando há alunos de alguma outra região na classe que não falam catalão, então o professor pode falar Espanhol. Todos os catalães falam Espanhol. Os catalães que não falam catalão, são normalmente filhos de imigrantes de outras regiões da Espanha. No aeroporto por exemplo, as mensagens dadas por autofalantes é primeiro em catalão, segundo em espanhol e logo em inglês. As placas de informação estão primeiro em catalão seguido por espanhol. Alguns amigos conversam em catalão entre si e com outros em espanhol. A regra é: se alguém te apresenta uma pessoa nova em catalão, então você sempre falará catalão com ela. Se te apresenta em espanhol, então sempre falará em espanhol com ela. Para você ter uma ideia, na casa da minha esposa o pai era catalão nascido em Barcelona e a mãe era de Zaragoza (em Aragon). Apesar da mãe ter aprendido a falar catalão fluente, ela falava em espanhol com o marido e com os filhos. O pai falava com o filho em catalão (sempre) e com a filha e a mulher em Espanhol. A razão desta salada é porque o catalão do filho não era muito bom na escola então o pai comecou a falar catalão com ele para ele melhorar e depois seguiram assim. A princípio na mesa de jantar para mim era uma bagunça entender aquilo. Eu gosto muito do idioma catalão. Dependendo da hora do dia havia somente um canal de tv que era em espanhol, todos os outros eram em catalão. Isto era obviamente no tempo em que tvs a Cabo não eram ainda tão populares.
– SN: Como você acha que ficará a relação entre Espanha e Catalunha depois dessa secessão? Você acha que eles possam manter uma relação amistosa mesmo depois disso?
– AN: Espero que se isto chegue a acontecer que seja de uma forma amistosa. Mas vejo que isto seria impossível. Se mesmo num puro plebiscito aconteceu o que aconteceu. Caso haja secessão e a Catalunha for admitida na UE então obviamente como todos os países devem ter uma relação bilateral de acordo com as normas da UE, não podem haver barreiras comerciais. Porem os catalaes sempre foram meio odiados / mal vistos por grande parte dos espanhóis. Há também o ódio entre os Madridistas do Real Madrid e os Culés (fans do Barça). Há uma questão de orgulho dos clubes que vai muito além dos campos de futebol e que tem raízes na era franquista. O Real Madrid era então o time do governo, enquanto que o Barça da oposição catalana. Durante o regime de Franco a língua catalã foi proibida.
– SN: Você acha que possa existir alguma chance, mesmo depois do referendo, da Catalunha não se separar?
– AN: A chance não é remota, mesmo após o referendo, porque o governo central e o rei não permitirão a secessão que consideram obviamente ilegal. O que você acha que aconteceria se a Escócia quisesse se separar do Reino Unido? (Ou o Sul do resto do Brasil?)
– SN: De acordo com o governo catalão, mais de 90% dos eleitores votaram à favor, esse número foi muito acima do esperado; você crê que as eleições possam ter sido fraudadas?
– AN: Absolutamente não. Creio que não houve fraudes. O grande problema hoje em dia é que as pessoas que votam nem sabem o que querem. A grande maioria dos cidadãos comuns não tem conhecimento nenhum a respeito do que seria uma separação e quais suas consequências.*
– SN: O que acha da postura do primeiro-ministro, Mariano Rajoy, frente ao movimento?
– AN: A postura rígida do governo para evitar o referendo, enviando soldados de fora da região e usando violência foi a pior jogada de marketing da história. Por culpa disso muitos dos que não eram a favor da separação, agora o são, porque vêem que o governo quer tratar-lhes como na era franquista de ditadura.
– SN: Você acha que essa crise econômica na Espanha tem algo a ver com isso? Você não acha que separar o país por um crise econômica temporária é uma decisão um pouco precipitada?
– AN: Resposta: A crise economica na Espanha é uma coisa antiga. Sempre tiveram problemas com o desemprego alto e sonegação de impostos. Durante esta crise politica as bolsas caíram porque os mercados são voláteis como sempre. A fuga do capital é rápida ao menor sinal de incerteza. Obviamente precipitada, porém não é nada de novo.
– SN: Obrigado pela entrevista.
* – P.S.:
Uma coisa muito importante que acabou não sendo comentada na entrevista é o fator do reconhecimento perante a comunidade internacional. Muitos desinformados apoiam a secessão sem saber ao certo o que isso pode acarretar.
Apesar dos bons motivos, se eu fosse catalão, eu pensaria duas vezes antes de apoiar algo como isso. Primeiramente porque a Espanha é uma nação milenar, e eles perderiam essa grande herança histórica, mas principalmente porque isso causaria uma gigantesca crise na região, e não só economicamente falando.
Primeiramente, o país precisa ser reconhecida pela comunidade internacional, o que pode demorar anos, ou até décadas, principalmente quando esse processo ocorreu através de violência, como foi o caso da Catalunha. E como a Espanha tem fortes aliados por toda a Europa e América, pode ser que a Catalunha passe um bom tempo sem ser reconhecida pelas principais potências do mundo, o que pode acarretar muitos problemas não só para a economia, mas também para seus cidadãos, que vão ter dificuldades em sair do país com o passaporte catalão.
Obs: a entrevista ocorreu antes da dissolução do governo catalão e da fuga de Carles Puigdemont, por isso esses eventos não foram comentados.
- 1. https://www.theguardian.com/world/2017/oct/02/catalonia-important-spain-economy-greater-role-size
- 2. https://en.wikipedia.org/wiki/Caganer
https://www.timeout.com/barcelona/things-to-do/11-quirky-catalan-traditions