por PAULO DEMCHUK
A proposta legislativa encartada nas “10 Medidas contra a corrupção” são um exemplo de desonestidade intelectual. Além de não atacarem a corrupção propriamente dita, mas somente em alguns pontos a consequência da corrupção, em verdade tais medidas são uma alteração legislativa que visa conferir mais poder e dinheiro ao Ministério Público para criminalizar largamente a vida dos cidadãos e da sociedade civil em geral.
Por tais razões, é uma completa desonestidade intelectual afirmar que haverá combate à corrupção com aumento de interferência do estado na sociedade e, no caso das “10 Medidas”, um aumento de interferência punitiva e repressiva para conter algo que é produzido por ele mesmo. Relembre-se a Lava Jato tem origem na relação de empresas estatais com interesses de políticos do estado intermediando pagamento de verbas estatais.
Afora a isso, é um descalabro depositar mais poder e dinheiro a uma proposta que fracassou. Não há sentido em agravar o que já existe e não funcionou e esperar que os resultados sejam diferentes. Criminalizar ainda mais, burocratizar ainda mais, é tudo o que a sociedade brasileira não precisa.
O advogado diz que os autores usam como pretexto o combate à corrupção para “reformar a espinha dorsal do sistema penal e processual penal”. Para ele, as medidas, se aprovadas, vão resultar em perda de direitos do cidadão e vão lotar as cadeias.
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Folha – O sr. diz que o alvo das dez medidas não é necessariamente o combate à corrupção. Por que diz isso?
Renato Stanziola Vieira – Essas medidas deveriam ter como pano de fundo o combate à corrupção, mas elas têm a pretensão autoritária de reformar a espinha dorsal do sistema penal e processual penal brasileiros. Essa proposta que foi subscrita por mais de 2 milhões de brasileiros espanta, porque quando ela fala de provas ilícitas, sobre habeas corpus e sobre prescrição, inclusive em matérias agora encampadas pelo substitutivo, não tem absolutamente nada a ver com corrupção.
Qual o efeito disso?
Dificultar o uso do habeas corpus, seja porque traz o promotor para auxiliar o juiz, seja porque prevê um recurso específico contra uma decisão que concede o habeas corpus, e também esse que dificulta a expulsão das provas ilícitas do processo penal são verdadeiros estímulos ao poder punitivo do Estado.
Vê qualidades no projeto?
Há pontos positivos. A questão de fundo, dados de informação, o próprio acordo de leniência na improbidade administrativa, aceleramento na ação de improbidade administrativa, tudo isso pode ser útil no combate à corrupção.
Mas a grande maioria não tem a ver com corrupção. Amesquinha o direto de todos. E o discurso tem atrás dele um discurso autoritário. São questões que não têm a ver com corrupção e vão lotar os presídios e atrapalhar todo o processo penal e o direito penal.
Inclusive do ponto de vista sistemático é espantoso que a Câmara esteja votando isso. Há um projeto do código do processo penal em curso, e portanto o lugar [da discussão] dessas medidas deveria ser lá, há um projeto do código penal em curso e também o lugar deveria ser lá.
Quem serão os atingidos pelas medidas?
Essas medidas não vão ofender necessariamente quem é acusado de corrupção, vão ofender o sistema como um todo. E a massa de pessoas que dependem do Judiciário são defendidas pelas defensorias.
Foi a defensoria do Rio que percebeu isso no primeiro momento, como são enganosas as medidas. Porque o público da defensoria é o preso por tráfico, por roubo, por extorsão.
Não é um debate entre quem é contra e quem é a favor da Lava Jato. Quem está vendo o que está na raiz do problema entende que essas medidas ofendem todos os cidadãos que estão atingidos pelo processo penal.
Originalmente publicado na Folha: http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/11/1834333-ha-pretensao-autoritaria-diz-critico-de-propostas-do-ministerio-publico.shtml